Polícia conclui inquérito sobre morte de adolescente em cachoeira
Diretora, coordenadores, agente de pátio e professores respondem por homicídio culposo
A Delegacia de Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso do Sul, concluiu o inquérito que apurou a morte do adolescente Daniel Hiarlly Rodrigues de Arruda, de 14 anos. Onze funcionários da Escola estadual Welson de Mesquita Oliveira, que fica em Cuiabá, foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção): diretora, coordenadores, agente de pátio e professores da Escola Estadual Welson de Mesquita Oliveira, de Cuiabá.
Daniel morreu numa das cachoeiras do Complexo Véu de Noiva, no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, durante uma aula de campo organizada por uma equipe de professores, no dia 06 de dezembro do ano passado. Segundo o laudo necroscópico, o adolescente sofreu uma asfixia mecânica secundária a afogamento. O exame toxicológico foi negativo para substâncias alcoólicas e psicoativas. Setenta e um estudantes participaram da aula de campo. Eles estavam divididos em turmas e sendo monitorados por professores para a visita ao circuito de cachoeiras.
De acordo com o delegado Alexandre Nazareth, o inquérito concluiu que houve um encadeamento de erros durante a execução da aula de campo, uma vez que não foram usados equipamentos de proteção individuais e coletivos. Também não foram empregados protocolos de monitoramento da permanência do usuário no ambiente natural.
"Tanto que a equipe de educadores só deu falta de Daniel cerca de três horas depois do incidente e mesmo que houvesse monitores, era em número insuficiente para o quantitativo de alunos e não eram especializados em salvamento aquático nem traziam consigo equipamentos para tal. Além disso, a permanência simultânea de banhistas extrapolou o limite estabelecido na placa indicativa. Somado a isso, corrobora juntamente a ausência de um plano de atendimento emergencial ou de processo de gestão de riscos", disse Nazareth.
O delegado destacou que ainda que os professores não pudessem prever a morte do adolescente por afogamento, era previsível que a permissão de banho simultâneo de 71 alunos, supervisionados por apenas seis monitores, em águas com profundidade e sem equipamentos de proteção, pudesse resultar num acidente fatal:
"A aula de campo nesse caso mais se aproximou de um turismo de aventura, logo os educadores assumiram a responsabilidade de garantes, monitores, condutores, salva-vidas, pois agiram como se os fossem. Tanto é que declararam saber nadar e disseram ter realizado varredura nas quedas d'águas para demonstrar a profundidade aos discentes. Assim, criaram o risco da ocorrência do resultado ao chancelar projeto sem protocolos de segurança e executá-lo franqueando acesso dos alunos ao curso d'água, igualmente, sem o menor plano de gestão de riscos".
Para Nazareth, a equipe da escola não poderia se colocar na posição de garantir a não ocorrência de alguma ocorrência fatal.
"Embora não quisessem o resultado morte, os educadores, com seus comportamentos precedentes, assumiram a responsabilidade de impedi-lo quando se colocaram na condição de garantes; ao mesmo tempo, criaram ou incrementaram o risco da ocorrência do referido incidente", frisou.
Durante as investigações, foram ouvidas a família do adolescente, professores e servidores que estiveram na aula de campo, a direção da escola e estudantes que ficaram próximos à vítima. Funcionários do ICMBio, instituto que administra o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e responsável por autorizar a entrada de visitantes no local, também prestaram depoimento.
Alunos citaram 'malabarismos' na água sem equipamento de proteção
Daniel Hiarlly estava num grupo de 15 alunos monitorado por um professor e que, ao chegarem à Cachoeira da Prainha, orientou que apenas os estudantes que soubessem nadar entrassem na água. A maioria dos alunos entrou na cachoeira. Em depoimento, o professor disse que não viu o momento em que Daniel entrou na cachoeira e nem mesmo quando afundou na água.
Ele afirmou ainda que durante o tempo em que ele e os outros professores permaneceram na Prainha não notaram o desaparecimento do adolescente. No depoimento, o professor contou que, antes de sair do local, chegou a perguntar se todos os alunos estavam reunidos e, quando eles responderam afirmativamente, seguiu para outra cachoeira. Somente após retornarem para o estacionamento, onde estavam os ônibus, uma das professoras notou a falta de Daniel.
Vários estudantes foram ouvidos no inquérito afirmaram declararam que a permissão para o banho no circuito das cachoeiras era fato no ambiente escolar. Alguns alunos disseram ainda que colegas praticaram malabarismos em zona profunda do curso d'água, como pular de tronco de árvore e pedra que o margeavam, sem nenhum equipamento de proteção.
Atividade de banho era conhecimento da escola, afirma depoimento
A professora que idealizou a aula de campo disse que o objetivo era proporcionar conhecimento sobre a biodiversidade e aspectos cultural, biológico e histórico do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, além de conhecer o ponto turístico Véu de Noiva. Na descrição do projeto constava que a visitação da turma de alunos teria a presença de guia e que as atividades consistiriam em observar, anotar e aprender. Não havia uma especificação sobre atividade de aventura, como banho no circuito de cachoeiras.
O projeto acadêmico foi revisado pela diretora da escola e passou pela equipe gestora da unidade. Também teve a aprovação da representante do Conselho Deliberativo Escolar que declarou, em depoimento, que a atividade de banho não só ocorreria como era um fato de conhecimento na escola. Segundo ela, um inspetor passou nas salas de aula dando orientações sobre o que levar e o tipo de roupa a ser usada.
Três professores que integram a equipe gestora da escola chegaram a dizer que sabiam da atividade de banho, mas depois voltaram atrás e afirmaram desconhecer sobre a permissão a alunos para ter contato com a água no circuito das cachoeiras.
Um dos professores responsável por um dos grupos de estudantes disse que a turma que estava sob sua supervisão teve contato com a água nas cachoeiras das Andorinhas e da Prainha. Ele declarou, também, que fez varredura das cachoeiras, demonstrando pessoalmente a profundidade de cada uma delas, antes de os alunos entrarem. O professor afirmou que apenas os estudantes que sabiam nadar foram autorizados a ir até a parte mais funda e que a seleção de quem sabia nadar ou não foi realizada mediante pergunta ao grupo.