Justiça proíbe Fundação Palmares de doar acervo
Presidente do órgão havia anunciado que excluiria obras mantidas pela instituição
A Justiça Federal proferiu uma sentença definitiva contra Sergio Camargo, presidente da Fundação Palmares, e acaba de declarar a nulidade da exclusão de parte do acervo da instituição, algo anteriormente anunciado por Camargo. As partes envolvidas no caso ainda serão intimadas. Em junho, a doação de itens como livros, cartazes e folhetos já havia sido proibida pela Justiça, por meio de liminar, em decisão até então provisória — o descumprimento da decisão seria punido com o pagamento de R$ 500 por cada item doado.
Como se sabe, em junho de 2021, um relatório publicado pela Fundação Palmares comunicou que o órgão excluiria obras mantidas pela instituição, justificando que grande parte delas era pautada por "revolução sexual, sexualização de crianças, bandidolatria e por um amplo material de estudo das revoluções marxistas e das técnicas de guerrilha", entre outros fatos listados.
À época, o documento detalhou o trabalho de uma comissão que considerou que 5.300 livros, folhetos ou catálogos eram "de temática alheia ao escopo do órgão". A maior parte deles, afirmavam os autores, continha caráter panfletário e com evidências do que chamam de dominação marxista da entidade. De acordo com a análise do grupo, apenas 478 obras estavam dentro do cunho pedagógico, educacional e cultural dentro da missão institucional da Fundação.
O livro "Bandidos", de Eric Hobsbawm, foi uma das obras excluídas por ter, como frase central, o lema "Banditismo é liberdade". Títulos de Caio Prado Jr., Celso Furtado, Karl Marx e Max Weber também foram catalogados para doação.Com 74 páginas, o relatório foi elaborado pela equipe de Marco Frenette, ex-assessor de Roberto Alvim, demitido do cargo de secretário da Cultura por apologia ao nazismo, que em março foi nomeado coordenador-chefe do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra.
Ataque ao acervo é fato criminoso
O relatório da ação popular movida pelo advogado Paulo Henrique Antonio Lima determina que o réu, Sergio Camargo, seja imediatamente impedido de "excluir ou danificar obras ou itens do acervo da Fundaçao Cultural Palmares (livros, folhetos, artigos, obras de arte, etc), sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal pelos danos produzidos ao patrimônio histórico-cultural".
"Se for constatado qualquer ataque ao acervo, isso será caracterizado como descumprimento de decisão judicial", ressalta o advogado. "Agora, de fato, Sergio Camargo está proibido de se desfazer do acervo. Se, eventualmente, isso acontecer sem que ele promova uma política de escuta dos movimentos sociais e do movimento negro, ele estará descumprindo uma ordem judicial, o que seria um fato criminoso".
Diz um trecho do relatório: "A multiplicidade de pensamentos, ideias e opiniões, ainda que diametralmente opostas, serve para a construção de uma sociedade reflexiva, plural, questionadora e inclusiva, cabendo a cada leitor examinar tudo e reter o que entender pertinente, após um análise crítica a respeito. Livros e escritos pertencem mais a quem os lê do que aos próprios autores ou detentores dos volumes. Para tanto, livre acesso à vasta coleção de obras parece fundamental".
No texto em que manifesta a procedência do pleito autoral, o Ministério Público Federal ressalta que a conduta de Sergio Camargo "apresenta-se atentatória ao patrimônio cultural". O juiz acrescenta que "torna-se evidente que o seu objetivo em destruir algo com valor patrimonial está associado a um ideal político, religioso ou mesmo cultural".