Apoio à militarização nas polícias cresce no Brasil, diz pesquisa
Entre 2014 e 2021, taxa de profissionais que querem uma polícia unificada, de ciclo completo e militar passou de 9% para 14,4%
Ainda que a desmilitarização das polícias se mantenha um tema presente no debate especializado sobre segurança pública no Brasil, a ideia de uma única polícia, de ciclo completo e militar ganhou força entre os próprios policiais. Entre 2014 e 2021, o apoio à militarização passou de 9% para 14,4% na categoria, de acordo com pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O levantamento "Escuta dos profissionais de segurança pública no Brasil" ouviu mais de 9 mil policiais, entre abril e maio deste ano, sobre questões envolvendo carreiras, racismo, vitimização e saúde mental. Os resultados serão apresentados nesta quinta-feira, durante o 15º Encontro do fórum.
Por outro lado, a pesquisa aponta que menos policiais hoje apoiam a unificação de uma polícia desmilitarizada, isto é, civil, e de ciclo completo: a taxa passou de 56,9% para 46,8% no período.
O enfraquecimento do movimento de desmilitarização das polícias vem reforçado por outros dados: se em 2014 32,6% concordavam que policiais militares deveriam ser julgados por tribunais militares, hoje a taxa é de 45,8%; e agora 35,1% desejam que polícias militares e corpos de bombeiros se mantenham como forças auxiliares do Exército, ante 20,8% sete anos atrás.
Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP, afirma que a militarização, mesmo entre as carreiras civis, foi o único sistema de ideias sobre segurança pública no Brasil que ganhou força entre os profissionais do setor no período.
"Isso ocorre como efeito combinado da dispersão de pautas corporativistas, da divisão de interesses das várias carreiras da área e da radicalização política das polícias", declara Lima.
A insatisfação com o modelo atual das carreiras policiais se manteve majoritário nesta recente edição da pesquisa. Questionados se "as atuais carreiras são adequadas e deveriam ser mantidas", 56,5% dos profissionais responderam discordar parcial ou totalmente da afirmação (índice era de 66,3% em 2014).
Quatro em cada cinco policiais (81%) responderam, com algum grau de concordância, querer uma carreira única, com um único concurso para ingresso nas corporações, taxa praticamente idêntica à de sete anos atrás, quando era de 80,9%.
O Brasil tem, na prática, 27 Polícias Militares e 27 Polícias Civis, duas corporações em cada unidade de federação, que respondem a regimentos diferentes. A PM é a polícia ostensiva, que atua na prevenção de crimes a partir da presença nas ruas. Já a Civil é a polícia judiciária, responsável pela investigação de crimes. Ambas contam com duplo ingresso: concursos diferentes para duas carreiras diferentes, inacessíveis uma à outra, em cada uma das corporações. Na PM, existe a divisão entre oficiais e praças; na Polícia Civil, entre delegados e agentes.
Também ouvidos sobre o sistema de Justiça, os entrevistados demonstraram ver o Ministério Público e o Poder Judiciário como instituições que não colaboram, desconhecem as dificuldades, dificultam e até mesmo se opõem ao trabalho policial. Quase metade (48%) dos policiais acham que o Ministério Público atua "com insensibilidade ou indiferença relativamente às dificuldades do trabalho policial, apenas cobrando, mas sem colaborar", e outros 17,7% o consideram "uma instância que se opõe ao trabalho policial, tornando-o, em vários momentos, mais difícil".
A taxa que considera que o MP age "corretamente, auxiliando as polícias a realizar seu trabalho" é de 7,7%, e 15,7% responderam que a instituição atua "corretamente, sem maior integração com o trabalho da polícia, mas realizando suas atribuições específicas". Outros 11% responderam não ter opinião formada sobre o assunto.
Sobre o Poder Judiciário, 46,8% disseram que ele atua "com insensibilidade ou indiferença relativamente às dificuldades do trabalho policial", 22,1% o avaliam como "uma instância que se opõe ao trabalho policial". O índice de quem acha que a Justiça costuma atuar "corretamente, como uma instituição que coopera com o trabalho policial" é de 4,6%, e 18,4% responderam que ela atua "corretamente, sem maior integração com o trabalho da polícia". Outros 8,1% responderam não ter opinião formada sobre o assunto.
"Esses dados revelam, de um lado, a insatisfação das polícias, e, por outro, um certo sentimento de abandono. Isso acende um alerta para 2022. Qualquer projeto político precisa olhar para isso e oferecer alternativas de reformas das polícias que garantam melhores condições de carreira e de qualidade de vida para os policiais. Está na hora de despolitizar o debate, que está sendo apropriado pelo bolsonarismo", diz Lima.