Relatório da CPI: Prevent Senior fez 'pacto sinistro' que provocou mortes
Senador Renan Calheiros propõe indiciamento de dirigentes da empresa
No capítulo da minuta de relatório final dedicado à atuação da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia, o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), acusa a empresa de ter feito uma "associação sinistra" com a cúpula do governo federal. Na avaliação do relator, a Prevent Senior teria desenvolvido pesquisas irregulares com pacientes usando medicamentos sem comprovação científica. O senador destacou o apoio do presidente Jair Bolsonaro a estudos dessa natureza. Procurada, a Prevent Senior nega irregularidades e contesta o relatório do senador.
"A empresa fez parte do pacto, a associação sinistra na cúpula do governo brasileiro que, sob o lema 'O Brasil não pode parar", resultou na morte de milhares de brasileiros, diz trecho do relatório de Renan já entregue a alguns integrates da CPI. O relator afirma que "houve a convergência de grupos interessados em apoiar as ideias do Presidente da República" e cita "membros da equipe econômica, especialistas defensores da cloroquina e, claro, a direção da Prevent Senior".
No relatório, o senador pediu o indiciamento dos dois donos da empresa (Fernando Parrillo e Eduardo Parrillo), do diretor-executivo (Pedro Batista) pelos crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem; omissão de notificação de doença; falsidade ideológica; e crime contra a humanidade. Renan também pede o indiciamento de outros seis médicos que teriam participado de pesquisas fraudadas para exaltar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada como a cloroquina, bem como alterado atestados de óbito.
"A Prevent Senior viria a oferecer algo muito relevante para o grupo de Brasília - um embasamento supostamente científico da validade do tratamento precoce ou (...) o fornecimento da pílula da esperança", diz Renan ao sustentar um suposto alinhamento de interesses. O relator propôs ainda uma "grande devassa" na empresa e também em unidades públicas onde se estimulou o uso de medicamentos sem comprovação.
"Parece fundamental que os Conselhos Regionais de Medicina, Ministérios Públicos Estaduais e Agência Nacional de Saúde façam uma grande devassa na Prevent Senior, Hapvida, várias Unimed e muitos outros hospitais públicos e privados brasileiros que abraçaram a insânia comandada pelo Presidente da República", diz trecho do relatório.
Renan viu conexão entre a atuação da cúpula do governo, da direção da Prevent Senior e do chamado gabinete paralelo, composto por pessoas de fora do Ministério da Saúde que teriam dado opiniões favoráveis ao tratamento precoce e contra a vacinação. Essas recomendações teriam ocorrido dentro do Planalto e influenciado a tomada de decisões pelo governo federal em meio à pandemia.
"A obsessão do presidente da República com o catecismo do gabinete paralelo continua até o presente", diz trecho do relatório de Renan, afirmando que, em 21 de setembro deste ano, Bolsonaro "apregoou os poderes curativos do tratamento precoce na abertira da assembleia da ONU".
Renan relaciona a Prevent Senior com o chamado gabinete paralelo ao citar lives que difundiam o uso da cloroquina. No relatório, Renan ressalta que o presidente tratou "com entusiasmo" do tema. O texto cita ainda que o senador Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro também compartilharam posts envolvendo o tratamento precoce realizado pela Prevent Senior.
Renan compara a realização de estudos científicos com seres humanos sem o consentimento dos mesmos, feitos pela Prevent, ao famoso caso do hospital psiquiátrico de Barbacena. Renan cita que o Código de Nuremberg, criado após o auge do nazismo, destaca que "o consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial".
O relator aponta que os donos e o diretor da Prevent alegavam não se tratar de um "estudo científico" e sim de um "acompanhamento observacional", mas indicou que tal medida também precisaria ser aprovada pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa. "A impressão que fica das afirmações does executivos é que ou os profissionais científicos e gerenciais da empresa não sabem o que fazem ou não se importam com regras éticas", diz trecho do parecer, que afirma ter havido improbidade técnica na realização do estudo.
No relatório, Renan cita ainda que um médico da Prevent Senior relatou ter sofrido ameaças do diretor-executivo Pedro Batista, como antecipou reportagem publicada pelo GLOBO que divulgou o boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil de São Paulo. Segundo a denúncia, a ameaça ocorreu para que o médico não repassasse informações da empresa a uma reportagem investigativa da TV Globo.
O relator afirma que, após a CPI ouvir pacientes, foi constatada a "cessação abrupta do tratamento" daqueles que estavam há muito tempo ocupando leitos sem melhora significativa. "A Prevent Sênior teria transformado em rotina a cessação abrupta do tratamento de pacientes que, imaginamos, estariam há tempo demais ocupando um leito em seus hospitais. É a comprovação do 'óbito também é alta', frase dita nos corredores da empresa, segundo relatou a advogada Bruna Morato.
Procurada pelo GLOBO, a Prevent Senior se manifestou por meio da seguinte nota:
"A Prevent Senior contesta o relatório, os indiciamentos e tem total interesse que investigações técnicas, sem contornos políticos, sejam realizadas por autoridades como o Ministério Público. Infelizmente, no Brasil, criou-se o costume de acusar e condenar pessoas e empresas sem a precisão resultante do devido processo legal. Um verdadeiro linchamento público, sem que as denúncias aventadas fossem investigadas pelos senadores. Foi o que aconteceu com as denúncias infundadas levadas à CPI da Covid, que sequer foram apuradas com amplo direito à defesa e contraditório. São acusações de contexto extremamente politizado, em que tratamentos médicos foram previamente condenados por serem associados ao governo do presidente Jair Bolsonaro, com o qual a Prevent Senior não tem qualquer vinculação - aliás, como com nenhum partido político. Mais grave é a notícia do indiciamento de pessoas que sequer foram ouvidas no curso da CPI e o fato de os acusados não terem tido acesso aos documentos constantes do suposto dossiê, o que inviabilizou seu direito constitucional de ampla defesa e contraditório".