"O que mais dói é viver sem o meu filho. Nenhum dinheiro do mundo vai tirar essa dor do meu peito. Eu vivo por viver, porque a cada dia morro aos poucos. Não acho graça em nada. Evito ver as pessoas. Tenho me isolado para o mundo. Dizem que preciso reagir, mas só quem passa por isso sabe o que sinto. É muito difícil". A fala emocionada é de Aparecida Macedo, de 61 anos, mãe do catador de recicláveis Luciano Macedo, morto em abril de 2019, aos 27 anos, com quatro tiros disparados por militares do Exército.
Segundo testemunhas, ele tentava socorrer o músico Evaldo dos Santos Rosa, que teve o carro metralhado em uma ação dos combatentes, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, quando foi alvejado. Em sua primeira entrevista, quase três anos após a morte do filho, a mulher relembra a dor da perda e afirma que "há justiça para pobre nesse país".
"Era um menino trabalhador, bom filho. Era o meu amiguinho. Ele sempre me ligava e perguntava como eu estava. Isso foi a maior maldade que fizeram comigo e o meu filho. Durante o julgamento, eu não tive coragem de ver as imagens. Eu passei mal ao ver ele todo baleado. Eu acompanhei todo aquele julgamento e tive que ouvir as piores coisas do advogado de acusação. Ele queria transformar o meu filho em bandido. Ele disse que o Luciano tinha atirado para lá e para cá. Meu filho estava catando ferro velho para fazer um barraco. Nem dinheiro para comer tinha. Ele ia lá em casa para pegar comida. Como ele ia comprar uma arma?", diz ela.
Em versões apresentadas por militares, os agentes alegam que o catador atirou contra a patrulha que estava na região. Segundo os militares, Luciano estaria assaltando o carro onde Evaldo e a família estavam.
No dia do crime, a polícia não encontrou qualquer arma com o catador. Testemunhas dizem que Luciano foi baleado quando tentava socorrer Evaldo. O carro onde o artista estava foi alvo de mais de 80 tiros por parte dos militares. Destes, 62 atingiram o veículo e outros 20 foram na direção do catador. Além de Evaldo, que foi alvejado por nove tiros de fuzil, o ataque também deixou ferido o sogro dele, Sérgio, que o acompanhava no automóvel. Evaldo morreu no local. Já Luciano morreu no hospital 11 dias depois , no Hospital estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes.
"Quando eu o vi no hospital, tive esperança. Fui na igreja, levei os documentos dele para oração. Quando ele estava no Carlos Chagas eu ainda corri na Defensoria Pública e pedi a transferência para outro hospital. Eles me disseram que lá no Hospital de Saracuruna era o local que tinha estrutura para operá-lo. Era um dia de chuva, consegui a transferência. No dia seguinte, cheguei com o papel toda contente com a possível troca de unidade médica. Mas, eles disseram que meu filho havia passado por uma cirurgia. Fiquei lá horas na porta da sala de cirurgia e depois vi o Luciano saindo. Aquele não era o meu filho. Eu ficava na esperança de ele ser salvo. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Fui para casa. Horas depois, na madrugada eles me ligaram pra que eu fosse ao hospital. Lá eles me deram a notícia da morte. Meu mundo desabou. Foi uma notícia que eu não desejo para ninguém. Eu só tive duas dores na vida: a morte da minha mãe e a do meu filho. Parece que eles cavaram um buraco e jogam a gente". conta dona Cida, aos prantos.
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A desempregada conta que após o assassinato de Luciano ela deixou a casa onde viviam, em Anchieta, a poucos quilômetros de onde ele foi alvejado pelos militares do Exército.
"Eu deixei Anchieta porque para fazer qualquer coisa eu tinha que passar por onde ele foi morto. E ainda eles desenharam uma palavra de justiça em um muro. Quando eu passava lá, eu virava o rosto. Eu pensei que vindo para Nova Iguaçu eu não sofreria tanto. Engano. Sofro todo dia", diz.
Nesta quarta-feira, dia 13, oito dos militares foram condenados pelo duplo homicídio de Evaldo e do catador de latinhas, e pela tentativa de homicídio contra Sérgio, pai de Luciana dos Santos Nogueira, mulher de Evaldo, que os acompanhava e ficou ferido. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, a Aparecida diz estar aliviada:
— Eu gostei da decisão. Eu adorei. A sensação é de revolta. Mas, ao mesmo tempo, com esse resultado, eu vejo que ainda existe justiça para os pobres nesse país.