'Governo incentiva destruição dos indígenas', diz cacique
Almir Suruí foi investigado a pedido da Funai e classifica como retrocesso o projeto de lei que modifica as regras de demarcação de terras; cerca de 700 índios fizeram protesto em Brasília, nesta quarta-feira (16), contra a proposta que tramita na Câmara
Uma das principais lideranças dos povos originários do país, Almir Suruí afirmou nesta quarta-feira (16) que o governo federal trabalha para destruir os direitos coletivos dos índios brasileiros . O cacique se referia à tramitação do projeto de lei 490/2007, que trata da demarcação de terras indígenas e está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados.
Nesta quarta-feira, cerca de 700 indígenas de 25 povos fizeram um protesto em Brasília contra a tramitação da proposta . O grupo percorreu toda a Esplanada dos Ministérios e encerrou a manifestação em frente ao anexo II da Câmara.
O texto que tramita no Parlamento transfere da União para o Congresso a última palavra na demarcação das terras indígenas, com poder de rever as áreas já demarcadas e de proibir a ampliação das reservas já existentes.
— Esse projeto representa um retrocesso histórico, que vem ganhando força agora com esse governo que incentiva, em seu discurso e ações, a destruição dos direitos coletivos dos povos indígenas brasileiros — disse Suruí, em entrevista ao GLOBO.
A tramitação do projeto de lei que rediscute a autonomia dos índios em seus territórios, garantida na Constituição, ganhou força na Câmara dos Deputados com o apoio de fazendeiros, mineradoras e do próprio governo federal.
— O governo brasileiro não tem visão para perceber que os direitos dos povos indígenas são um grande potencial. O mundo inteiro tem falado do papel da floresta, da vida sustentável, em especial da Amazônia, mas o governo quer destruir tudo. Não tem preocupação com equilíbrio climático, ambiental e cultural. O Brasil é respeitado porque tem floresta e o protagonismo de ainda ter floresta em pé é dos povos indígenas — criticou.
Em maio deste ano, Suruí foi alvo de um inquérito aberto pela Polícia Federal, a pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai) , que alegou que a liderança indígena propagava "mentiras" contra o governo federal na internet. O cacique havia feito críticas públicas ao combate à pandemia nos territórios indígenas.
O caso foi tratado pelas lideranças indígenas como tentativa de intimidação. O cacique chegou a ser intimado a depor, mas a PF pediu o arquivamento da investigação. Na ocasião, a liderança Sônia Guajajara também foi intimada a depor.
Parlamento indígena
Suruí é coordenador nacional do Parlamento Indígena, também chamado de Parlaíndio. Reunido pela primeira vez em maio, o grupo de lideranças tem como desafio mais imediato a articulação para não deixar o projeto de lei 490/2007 prosperar na Câmara.
— Ainda estamos decidindo as ações prioritárias e a agenda comum, mas serão dentro da política ambiental e da saúde. Vamos acompanhar os projetos de lei que tramitam no Congresso, analisar quantos e quais podem afetar os direitos coletivos dos povos indígenas e acompanhar atentamente — explicou o cacique.
O Parlaíndio terá também uma comissão com representantes jurídicos para tomar providências caso os povos indígenas entendam que decretos ou projetos de lei desrespeitam direitos consagrados na Constituição.
A ideia de criar o Parlamento Indígena do Brasil surgiu em 2017 e foi inspirada no cacique Raoni Metuktire. O Parlaíndio servirá como uma instância para tomada de decisões e articulação com representantes dos povos indígenas brasileiros.