Ataque a creche em SC: 'Perguntei pelo meu filho e descobri que estava morto'
Em entrevista ao GLOBO, o casal Maurício Massing e Kerli da Silva fala sobre a perda do filho Murilo, de 1 ano e 9 meses - uma das cinco vítimas da tragédia de escola em Santa Catarina
Na manhã da última terça-feira (4), o eletricista Maurício Massing, de 35 anos, mudou excepcionalmente sua rotina. Em vez de ir ao trabalho de moto, como de costume, decidiu pegar uma carona no carro de sua mulher, Kerli da Silva, 28, que em seguida deixaria no colégio o filho Murilo, de apenas 1 ano e 9 meses. Assim que chegou na sede da empresa em Saudades, no interior de Santa Catarina, por volta das 7h15, ouviu as últimas palavras de seu pequeno: "Tchau, papai!".
Murilo foi uma das três crianças vítimas de um ataque na creche Pró-Infância Aquarela no município catarinense naquele dia . Outras duas funcionárias da instituição morreram após um jovem de 18 anos entrar no local com um facão e promover uma chacina. O crime aconteceu enquanto as crianças se preparavam para almoçar.
Kerli da Silva estava no trabalho, a duas quadras da creche, quando sua irmã lhe avisou sobre o ocorrido em torno das 10h20. Ela havia deixado seu filho na porta da instituição cerca de três horas antes. Fazia dois meses que ela levava Murilo para passar as manhãs no local, depois de cuidar dele em casa durante um ano e meio. O menino passava as tardes com a avó materna.
"Ele acordou bem cedo naquele manhã. Tomou leite na cama com o irmão e, quando terminou, veio até a cozinha com as mamadeiras, dizendo "pia, pia", para que eu as colocasse na pia. Depois, fomos para a escola e, ao chegar, a professora de quem ele mais gostava estava sentada no chão. Veio uma outra mulher pegá-lo, e ele não quis. Só quando a Larissa (professora) se levantou que ele foi. No carro, já vinha falando: "issa, issa, boi". Dizia que ia à escola brincar com a Larissa e com o boi. E, então, me disse tchau. Perguntei se ele queria me entregar o bico, falou que não. E disse: "Tchau, mamãe", contou Kerli ao GLOBO.
Ao ser informada do ataque, Kerli foi levada até a creche pela gerente da loja onde trabalha. Deparou-se com pessoas correndo, uma gritaria generalizada e a rua tomada por carros, viaturas e ambulâncias. Ela ainda tentou entrar na instituição, mas foi impedida por um policial no momento em que passava pelo portão principal. Foi comunicada que as crianças estavam nas casas vizinhas e seguiu atrás de Murilo. Não o encontrava.
"Estava todo mundo muito desesperado, chorando muito, correndo de um lado pro outro. Cheguei no mesmo instante que o pai da Sarah (uma das vítimas). Fomos pelo lado de cima da creche, e ele conseguiu entrar pelos fundos, porque não tinha ninguém barrando. Quando estava indo atrás dele, uma professora gritou: 'O Murilo foi levado pro hospital'. Aí eu voltei, senão teria entrado com ele", disse a mãe.
Kerli partiu em direção ao hospital, a menos de cinco minutos dali, mas também foi vetada na entrada. Nervosa, não soube responder qual roupa seu filho estava usando. Graças à mãe de uma amiga que trabalha na unidade e a avistou, ela conseguiu ter informações sobre o Murilo. (E recebeu ali a trágica notícia:) Ele chegara já sem vida.
Cerca de uma hora depois, o pai da criança recebeu a mesma notícia na recepção do hospital. Ele havia viajado a serviço à cidade vizinha de Pinhalzinho e retornou tão logo foi avisado sobre o caso.
"Quando cheguei em Saudades, já falaram para eu ir direto ao hospital. Minha mulher estava no quarto, tinha passado mal. Ao chegar na recepção, perguntei pelo meu filho e descobri que estava morto", disse Maurício, emocionado.
Após o ataque, o criminoso também foi levado a um hospital na cidade de Chapecó em estado gravíssimo. O jovem cortou o próprio pescoço com a faca usada no crime, mas não conseguiu concluir a tentativa de suicídio e ficou estirado no chão. As vítimas foram enterradas nesta quarta (5) no cemitério municipal. As crianças foram sepultadas lado a lado.
Nas fotos e vídeos de Murilo, vêm as lembranças de um menino alegre, extrovertido e esperto. A criança que chorava direto nos primeiros dias na creche, há cerca de duas semanas começou a se adaptar. Tinha sua professora preferida e passou a aceitar comida na instituição, o que não acontecia antes. É a imagem que fica para a família.
"Só lembranças boas deles. A dor é insuportável. Era só alegria. Eu estava olhando vídeos e fotos dele... É inexplicável", afirmou Maurício. "Eu não tenho esse sentimento de revolta. Minha dor é tão grande que nem consigo sentir revolta ainda. O luto pelo Murilo não sai da cabeça".
( Colaborou Gilmar Bortese )