Mimado pela família, 'príncipe' Jairinho se mostrava violento desde a infância
Acusado de assassinar o enteado Henry Borel, de apenas 4 anos, vereador tem histórico de agressões desde os tempos de colégio e, segundo ex-colegas de faculdade, era um "mentiroso contumaz e convincente"
De um tablado, de cerca de 50 centímetros de altura, um menino de 8 anos deu um salto até atingir em cheio um colega da mesma idade que ia comprar um lanche na cantina da escola, na hora do recreio. A criança atingida foi ao chão.
Era uma manhã de 1986 no colégio particular Ferreira Alves, frequentado por crianças de famílias com mais recursos de Bangu, Zona Oeste do Rio. A hostilidade se tornou diária e durou três anos. Passados 35, o menino agredido prefere não se revelar, mas conta que seu perseguidor, que era chamado às escondidas de “esquisito”, hoje é suspeito de assassinato: trata-se do médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho .
"Ele cismou comigo do dia para a noite. Eram bandas e muitos cascudos durante o tempo que passei na escola", lembra, sem entender o motivo das agressões. "Eu tinha muito medo. Ele me batia com raiva. Em seguida, via no rosto dele uma expressão de prazer ".
Na Câmara Municipal do Rio, Dr. Jairinho era chamado de “ príncipe ”, por conta de seu estilo de se vestir. Acabou trocando os ternos impecáveis por bermudas, camisetas e chinelos, já que responde na cadeia pela morte do enteado Henry Borel , de 4 anos, ocorrida na madrugada de 8 de março. A polícia suspeita que o menino tenha sido espancado até a morte. Foram identificadas 23 lesões no corpo dele.
Quando seu tamanho condizia com o apelido no diminutivo que carrega até hoje, Jairinho era visto quase sempre sozinho, olhando para o nada no pátio do colégio. O colega que apanhava diz que ele costumava observá-lo de uma janela na hora do recreio. Entre os alunos, Jairinho era um dos menores. Mas sempre se mostrava violento .
"A hora do recreio era uma tortura . Ele não mexia com os meninos maiores. Passei a não descer mais", conta a vítima das agressões, lembrando que a direção da escola nada fazia por acreditar que se tratava de mera briga entre crianças. "Eu não contava nada para os meus pais. Sofria bullying calado".
Jairinho trocou o Ferreira Alves pelo Colégio Pentágono, também tradicional, no bairro de Vila Valqueire. Repetiu logo no primeiro ano, mas se recuperou no período seguinte. Um ex-aluno diz não ter presenciado situações violentas, mas, por conviver perto da família, recorda que ele era muito mimado : tudo que queria, ganhava.
Jairinho foi um garoto do subúrbio sempre a bordo dos melhores carros, que gostava de exibir os mais potentes aparelhos de som. Aos poucos, desenvolveu qualidades que podem explicar parte de seu sucesso no Legislativo carioca. Tem a política na veia: seu pai é o coronel reformado da Polícia Militar Jairo Souza Santos, deputado estadual entre 2003 e 2018. O oficial chegou a ser citado por envolvimento com milícias na Zona Oeste em CPI da Assembleia Legislativa (Alerj), mas nada se provou contra ele.
Namoros paralelos
Jairinho terminou a faulcade em 2004. O colega com quem conviveu por muito tempo conta que havia uma outra característica do vereador : sempre mantinha dois relacionamentos amorosos ao mesmo tempo. Isso chegou a ser comprovado nas investigações do Caso Henry .
"Mesmo quando acabava o relacionamento , ele cercava a pessoa, não a deixava iniciar outro namoro", conta o ex-colega. As mulheres, na maioria das vezes, tinham características semelhantes: eram bonitas e tinham filhos.
Presidente da Câmara Municipal, Carlo Caiado diz que tomou um choque com a acusação contra o vereador: "Jairinho sempre foi gentil com todos".
Histórias inventadas
Jairinho se formou em Medicina pela Unigranrio e nunca exerceu a profissão. Contou à polícia que não tentou uma massagem cardíaca no enteado porque a fez pela última vez na faculdade. Na época do curso, segundo um amigo, surgiu um Jairinho mitômano , que contava vantagens sobre conquistas amorosas. O “príncipe” — que passou a alisar o cabelo — inventava histórias e ria quando era descoberto.
"Ele se esquecia que eu, com quem conviveu tantos anos, sabia o que era mentira. Quando se tocava disso, dizia: 'Viu que eu menti para cacete, né?'. E ria", diz o amigo, que passou a se perguntar se já não seria um sinal de transtorno de personalidade. " Jairinho era um mentiroso contumaz e convincente".