Caso Henry: confira 16 depoimentos dados à polícia e questões não esclarecidas

No inquérito sobre morte de menino, no dia 8, na Barra da Tijuca, delegado ouviu parentes, médicos e vizinhos da família

Menino de quatro anos chegou sem vida a hospital no Rio de Janeiro com lesões pelo corpo
Foto: Reprodução
Menino de quatro anos chegou sem vida a hospital no Rio de Janeiro com lesões pelo corpo

O delegado Henrique Damasceno, titular da 16ª DP (Barra da Tijuca), já ouviu, até o momento, 16 testemunhas no inquérito que apura a morte de Henry Borel Medeiros, de 4 anos, na madrugada de 8 de março. Além da mãe, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva e do padrasto, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (Solidariedade), que moravam com o menino, o pai, o engenheiro Leniel Borel de Almeida, e a avó da criança, a professora Rosângela Medeiros da Costa e Silva, também prestaram depoimento.

Compareceram ainda à delegacia três médicas do Barra D'Or, três vizinhos, a babá, a empregada doméstica, a professora, a psicóloga, além da secretária do Jairinho e de duas ex-namoradas do parlamentar.

Confira o que cada testemunha contou em depoimento:

Mãe de Henry diz que encontrou criança no chão com olhos revirados

A professora disse ter dado banho no filho, por volta de 20h, e depois o colocado na cama de casal para dormir. Monique e Jairinho teriam ficado na sala, vendo televisão. Até 1h50m, Henry teria levantado três vezes, sendo levado de volta ao quarto pela mãe. Ela relatou que foi para o quarto de hóspedes com o namorado de modo a continuar vendo uma série sem que o barulho incomodasse o filho. Logo após, Jairinho teria adormecido.

Por volta de 3h30, Monique disse ter levantado e chamado o vereador, que foi ao banheiro. Ao voltar ao quarto do casal, ela diz ter encontrado Henry caído no chão, com mãos e pés gelados, olhos revirados e sem responder ao seu chamado.

No depoimento, Monique disse ter gritado por Jairinho, que foi imediatamente ao cômodo. Eles teriam se arrumado rapidamente e se dirigido para o Hospital Barra D'Or. No caminho, a professora diz ter feito uma respiração boca a boca na criança, depois de orientação do parlamentar. Ao chegar à unidade de saúde, ela contou ter gritado pedindo ajuda, tendo recebido atendimento de várias pessoas imediatamente.

Indagada se havia lido o laudo com a causa da morte de Henry, Monique afirmou acreditar que ele possa ter acordado, ficado em pé sobre a cama, se desequilibrado ou até tropeçado no encosto da poltrona e caído no chão.

Pai de Henry acompanhou tentativas de reanimação na emergência

Foto: Reprodução TV Globo
Leniel Borel de Almeida, pai de Henry


O engenheiro contou ter recebido uma ligação de sua ex-companheira, Monique, por volta de 4h30 do dia 8. Ela teria dito que o filho deles estava "sem respirar" e foi levado ao hospital. Ao chegar ao local e encontrá-la na companhia de Dr. Jairinho, foi informado de que a criança havia feito um "barulho estranho" enquanto dormia. No quarto do menino, o casal o teria visto com os "olhos virados" e com dificuldade de respirar.

No depoimento, ele relata que a mãe disse ter feito um procedimento de respiração boca a boca em Henry. O pai narrou também ter visto os médicos tentando reanimar a criança, não obtendo sucesso no procedimento. A criança morreu às 5h42m, e seu corpo foi removido para o Instituto Médico-Legal (IML), no Centro da cidade.

Dr. Jairinho relata ter acordado com gritos da mãe de Henry

Foto: Reprodução/TV Globo
Jairinho e Monique prestaram depoimento sobre a morte do menino Henry


Também em depoimento prestado na 16ª DP (Barra da Tijuca), que investiga o caso, Dr. Jairinho confirmou todas as informações dadas por Monique. Ele contou ter dormido após tomar três medicações que faz uso há cerca de dez anos e, ao ser acordado pela namorada, foi urinar. Com os gritos da companheira, ele disse ter caminhado até o quarto. No local, o vereador diz ter colocado a mão no braço de Henry e notado que o menino estava com temperatura bem abaixo do normal e com a boca aberta, parecendo respirar mal.

Ele disse que acreditou que Henry havia broncoaspirado, mas seu quadro evoluía mal, já que no caminho para o hospital não respondeu à respiração boca a boca nem aos estímulos feitos por Monique. Jairinho contou que, apesar de ter formação em Medicina, nunca exerceu a profissão e a última massagem cardíaca que realizou foi em um boneco, durante a graduação.

Avó materna conta que filha estava desolada no hospital

A professora Rosângela Medeiros da Costa e Silva, avó materna do menino, definiu o neto como uma criança doce, tímida, introvertida, educada e excelente aluna. Disse ter recebido uma ligação de Monique dizendo: "Mãe, o Henry não está respirando!" e imediatamente se dirigiu ao Hospital Barra D'Or com o outro filho. Durante o trajeto, ela ligou novamente insistindo: "Mãe, vem pra cá". Minutos depois, disse ter recebido o terceiro telefonema, quando soube que o menino havia falecido. Chegando a unidade de saúde, Rosângela contou que encontrou a filha "desolada".

Perguntada sobre a causa da morte de Henry, Rosângela informou que "pelo que soube" ele "teve um problema no fígado, uma hemorragia causada por uma queda".

Rosângela disse ainda passou a dormir com o neto de três a quatro vezes por semana depois que a filha foi morar com Jairinho, no condomínio Majestic, na Barra da Tijuca.

Médicas garantem que menino chegou morto

As três médicas pediatras que atenderam Henry Borel Medeiros na emergência do Hospital Barra D'Or garantiram que  ele chegou morto a unidade de saúde e com as lesões externas no corpo descritas nos dois laudos do exame de necropsia.

Os documentos, aos quais O GLOBO teve acesso, apontam que a criança sofreu hemorragia interna e laceração hepática, provocada por ação contundente. Peritos garantem que as lesões apresentadas no documento, como equimoses, hematomas, edemas e contusões, não são compatíveis com um acidente doméstico.


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Vizinho escutou gritos desesperados

Três vizinhos de apartamentos próximos à unidade 203 do bloco I do condomínio Majestic, no Cidade Jardim, foram ouvidos pelo delegado Henrique Damasceno. Dois deles garantiram não ter ouvido nenhum barulho ou visto nenhuma anormalidade durante a madrugada do dia 8. Um terceiro disse ter escutado gritos desesperados, que poderiam ser de Monique.

Empregada limpou a casa e soube da morte do menino por Monique

A empregada de Monique e Jairinho contou que trabalha no apartamento do casal durante os dias de semana, desde 8 de janeiro, e que só viu a família junta três vezes. Ela relatou ter presenciado Henry, no carnaval, correndo em direção ao vereador gritando: "Tio Jairinho, tio Jairinho!" e o abraçando. Ela negou ter presenciado qualquer discussão entre eles.

No dia 8, a mulher relatou ter chegado por volta de 7h30, como de costume, e organizado a casa. Ela disse ter estranhado apenas o fato de a luz da cozinha estar acesa. Ela contou que, às 9h46, Monique lhe telefonou e disse que ela poderia tirar o dia de folga. Minutos depois, quando esperava o elevador, a empregada encontrou a professora retornando do hospital e foi informada sobre a morte de Henry.

Babá diz que ouviu de Monique que perdera "seu bem mais precioso"

Foto: Reprodução
O menino Henry tinha 4 anos


A babá de Henry contou aos policiais que iniciou as atividades no apartamento do casal em 18 de janeiro, passando a cuidar de Henry de segunda a sexta-feira, alternando o início da escala de trabalho entre 9h e 11h30, de acordo com as aulas da escola do menino. Ela narrou que o menino assistia às aulas de maneira de forma tranquila e concentrada e nunca demonstrou nenhuma irritação nem inquietação.

Ela definiu a criança como "boa" e "perfeita" e negou qualquer ter presenciado qualquer anormalidade na família, a quem disse ter visto reunida no máximo quatro vezes. A funcionária contou também que Henry lhe fazia algumas perguntas, como "Tia, por que existe a separação?" Para essa questão, ela diz ter respondido: "Para as pessoas não ficarem brigando, é melhor que se separem."

A babá relatou ainda que, por volta de 9h30 do dia 8 de março, recebeu uma ligação de Monique, que dizia: "Você não precisa ir trabalhar hoje. Henry caiu da cama. Perdi meu bem mais precioso".

Para psicóloga, menino disse que morava com "um tio"

A psicóloga que realizava o acompanhamento terapêutico de Henry, desde o início de fevereiro, disse ter sido procurada por Monique, que relatava que ele "não queria ficar" em sua casa. A profissional contou ter realizado cinco consultas com a criança, que demonstrava afeto pelos avós maternos e que pronunciou o nome de Jairinho somente no último encontro.

Em depoimento, ela disse que a professora reclamava que Henry não queria ir ao Colégio Marista São José, onde estava matriculado na pré-escola e frequentou 20 dias de aula. A psicóloga relatou que, a partir da segunda sessão, passou a explorar o "espaço lúdico da criança", brincando, desenhando e fazendo trabalho com massinhas.

A profissional disse ter identificado que o espaço da casa dos avós maternos, em Bangu, onde Henry já morou e frequentava, era agradável, sobretudo pela presença do avô. A mulher contou ainda que Henry contou morar "um tio" em sua casa. Perguntado quem era, o menino respondeu: "Tio Jairinho", sem deixar transparecer medo do padrasto. Logo em seguida, ele disse estar com saudades do pai.

Professora nega ter percebido lesão ou sinal de maus-tratos

A professora do Colégio Marista São José, onde Henry estudou por 20 dias, disse não ter tido muito contato com o menino, por ele ser aluno novo e pelo fato de estarem atuando em sistema híbrido — com aulas alternadas. Ela disse que Henry apresentava comportamento alegre, falante, participativo e muito interessado.

A professora negou ter percebido alguma lesão ou qualquer sinal de maus-tratos. Ela negou também que Henry tenha reclamado de algum tipo de abuso ou problema no ambiente familiar.

Ex-namorada de Jairinho relata agressões e que filha vomitava ao vê-lo

Uma ex-namorada de Jairinho, de 31 anos, relatou ter sido agredida pelo vereador e disse que a filha, de 3 anos à época, ficava nervosa, chorava e até vomitava ao vê-lo. A menina chegou a contar para a avó materna que também apanhava do parlamentar e que teve a cabeça afundada por ele embaixo da água em uma piscina . O caso está sendo investigado em um inquérito aberto na Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav).

Ela relatou que conheceu Jairinho em 2010, na festa de comemoração pela eleição de seu pai, o policial militar e deputado estadual Jairo de Souza Santos, o Coronel Jairo (MDB), e logo depois eles teriam ficado noivos. Na ocasião, o vereador era oficialmente casado com a dentista Ana Carolina Ferreira Netto, mãe de dois de seus três filhos — fato que era negado pelo político e seus familiares, segundo ela.

A mulher contou que, em determinado momento, sua filha não mais queria ficar em sua companhia quando ela estava com Jairinho. A menina chorava e pedia para dormir com a avó materna.

A testemunha disse ainda que em uma ocasião em que viajou com Jairinho e a filha para Mangaratiba, ele lhe ofereceu remédios para dormir. Ela teria colocado o comprimido embaixo do travesseiro. Ao chegar à sala do apartamento, contou ter encontrado o vereador segurando pelos braços a criança, que estava assustada. Ela relatou também um episódio em que, depois de uma discussão, decidiu voltar para a casa a pé. Inconformado, o vereador foi de carro atrás das duas, abriu a porta e mandou que entrassem. Diante da recusa, ele teria pegado a criança pela cintura e a colocado bruscamente no veículo.

Amante de Jairinho diz que conversaram "como se nada tivesse acontecido" no dia da morte

Uma amante de Jairinho contou que, às 11h46 do dia 8 de março — seis horas e quatro minutos após atestada a morte de Henry, eles conversaram "como se nada tivesse acontecido". A estudante afirmou que o parlamentar a enviou mensagens para saber sobre o resultado de seu antibiograma, um exame laboratorial que a moça realizaria depois de se queixar de ardência ao urinar.

No depoimento, ela conta que Jairinho escreveu no WhatsApp: "Preciso saber o que deu no antibiograma. Tem que tratar, tem que tratar". Ao responder que não fez o exame, a mulher foi repreendida por ele: "Que loucura é essa?". A estudante disse que, em momento algum, ele comentou sobre o ocorrido com Henry e que ela ficou sabendo do falecimento do menino por amigos em comum e, depois, pela imprensa. O corpo do menino foi liberado do hospital para o IML por volta de 13h.

A mulher disse ainda ter ligado para a irmã de Jairinho, tendo o próprio posteriormente retornado o telefonema. Ela disse que o vereador a orientou a "ficar tranquila" pelo fato de ter sido intimada a depor, pois apenas teria que relatar como fora o relacionamento dos dois e se ele era agressivo. Ela reiterou que ele continuou sem falar sobre o falecimento do enteado tampouco sobre como se sentia.

Ela revelou que começou a namorar Jairinho em 2014, quando assessorava uma vereadora e pediu afastamento do cargo. Ela diz ter ficado com ele durante seis anos, entre idas e vindas, já que na época o parlamentar era casado com Ana Carolina. Em janeiro, a ex-mulher dele chegou a registrar uma ocorrência também na 16ª DP narrando ter sido agredida por ele.