Enfermeira morre na porta de casa durante operação policial no Rio

A enfermeira Luanna foi baleada duas vezes: na cabeça e na barriga

Foto: Reprodução
Enfermeira morre na porta de casa durante operação policial no Rio

Era pouco depois das 7h desta quinta-feira, dia 4, quando a enfermeira Luanna da Silva Pereira, de 28 anos, abriu a porta de casa para ver o que estava acontecendo na comunidade de Vigário Geral. Naquela ocasião, a 38ª DP (Brás de Pina) e a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) faziam uma operação na comunidade para tentar prender criminosos que estariam atuando no trilho do trem da Supervia em Parada de Lucas. Quando Luanna teria aberto a porta, foi baleada duas vezes: na cabeça e na barriga. Mãe de uma filha de 9 anos que dormia no momento da ação policial, a mulher morreu na hora.

Após a morte da moradora da favela, amigos e familiares da enfermeira fizeram uma manifestação na Rua Bulhões Marcial e fecharam a via. Os trens da Supervia foram interrompidos durante boa parte da manhã. Karolayne Conceição Moreira da Silva, de 22 anos, auxiliar de produção, é comadre da vítima. Luanna batizou o filho de quatro anos da amiga.

Segundo Karolayne, a Polícia Civil entrou atirando na comunidade e não deu tempo da jovem se abrigar.

"Eles entraram pela Cidade Alta. A Luanna foi sair de casa e eles, com certeza estavam na porta, deram dois tiros. Eles não deixaram socorrer ela e até agora está no chão. A filha dela estava dormindo e saiu com o rosto tampado para não ver. A filha dela não sabe da morte. Pensa que está no trabalho. Ela era guerreira, esforçada, cuidava da filha sozinha", diz a comadre.

Luanna, segundo os amigos, havia acabado de ser curar do coronavírus. "Ela havia acabado de vencer a Covid-19, estava longe da filha há vários dias, e agora ela morre. A Luanna não tinha mãe e pai e agora deixou uma filha linda", completou.

Mesmo sem periciar o local, ou a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) abrir um inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Luanna, a assessoria de imprensa da Polícia Civil disse que o tiro que atingiu a enfermeira partiu de traficantes. Moradores negam a versão e afirmam que não houve perícia no corpo.

Em uma segunda nota divulgada nesta manhã, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) destaca o trecho em que "de acordo com os agentes o tiro que atingiu a moradora foi disparado por traficantes" e que "a Delegacia de Homicídios da Capital fará perícia para apurar os fatos".

Segundo a presidente da Associação de Moradores do Parque Proletário Vigário Geral, Luzineide Vieira de Souza, “Luanna era uma mãe de família, trabalhadora e foi morta covardemente”. "Eles entraram atirando para qualquer lado. Era antes das 7h quando tudo aconteceu. A menina era nascida e criada na comunidade. Não merecia isso.".

A cabeleireira Joice Gonzaga, de 35 anos, lembra que a enfermeira era uma pessoa trabalhadora e lutou para se formar para dar uma vida mais digna à filha. "A Luana estudou, se formou e agora morre assim? É inaceitável. Ela era guerreira, criava uma filha sozinha. A polícia vem, mata, e coloca a culpa nos bandidos? Ela trabalhou no Afroregge e se formou para dar uma vida melhor para a filha. Ela só queria isso. Ela estava saindo de casa".

Pouco depois das 9h40, houve um intenso confronto entre policiais e bandidos da comunidade. "De manhã eles entraram dando tiro. Ela é moradora, mãe de família. Na pandemia a gente não pode trabalhar, não pode fazer nada, mas eles podem vir aqui para matar. A comunidade está revoltada. Vocês não têm noção do que estão fazendo: eles vêm, matam e fazem muita coisa contra a gente. Eles estão oprimindo os moradores", diz a assessora parlamentar Márcia Patrícia, de 41 anos, que conhecia Luanna, sobre a operação desta quinta-feira.

Na primeira uma nota divulgada no início da manhã sobre o caso, a Polícia Civil disse que "de acordo com os agentes, apesar do forte confronto, é garantido que o tiro que atingiu a moradora foi disparado por traficantes", uma vez que na posição em que ela estava era "protegida dos disparos dos policiais por um muro".

Trem no meio do fogo cruzado

Um trem da Supervia que vinha da Baixada Fluminense e estava na altura da estação de Vigário Geral, por volta de 8h, ficou no meio do fogo cruzado. Com medo dos tiros, muitos passageiros se jogaram no chão e outros abandonaram a composição.

A cuidadora de idosos Cláudia Regina dos Santos, de 50 anos, é uma das pessoas que está dentro do trem. Moradora do Lote XV, a cuidadora seguia para Laranjeiras. No entanto, está encurralada dentro da composição.

"Estamos deitados no trem que está parado há mais de duas horas. Eu estou indo pra Laranjeiras porque sou cuidadora. Eu não vou sair daqui de dentro. Estou com muito medo", diz Cláudia, que completa:

"O maquinista fugiu. Ele mandou a gente descer e deixou os passageiros sozinhos. É uma falta de cuidado mandar a gente sair de dentro do trem". Mais de 50 pessoas estão presas no trem. A estação de Parada de Lucas também abriga os passageiros.

Violência

Atualmente, quem comanda Vigário Geral e Parada de Lucas é o traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, de 34 anos. O criminoso tem 35 anotações criminais em sua ficha. Já foi investigado, indiciado, denunciado, mas até hoje não foi preso.

Religioso, o bandido criou na região o Complexo de Israel. É possível ver em várias partes da comunidade bandeiras do país do Oriente Médio e a Estrela de Davi. Cidade Alta, Vigário Geral, Parada de Lucas, Cinco Bocas e Pica-pau são as cinco comunidades que compõe o novo complexo. Juntas, no local, moram cerca de 134 mil pessoas.

Em nota da Policia Civil, a corporação afirma que uma das denuncias que levou à operação desta quainta-feira está a "de que traficantes estariam ameaçando e expulsando religiosos ligados ao candomblé que moram em Parada de Lucas".

Moradores de Parada de Lucas relataram os confrontos nesta manhã. "Era bala para lá e bala para cá. Desde cedo eu tento sair de casa para trabalhar e nada. Só Deus para nos guardar", disse uma moradora.