Especialistas apontam que anulação pode atrasar investigação do caso; entenda
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Especialistas apontam que anulação pode atrasar investigação do caso; entenda



A anulação da quebra de sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta terça-feira, deve atrasar o caso das “rachadinhas” , conduzido pelo Ministério Público (MP) do Rio, e tem potencial para anular outras provas obtidas em diligências ao longo da investigação. É o que indicam especialistas em Direito ouvidos pelo GLOBO após a deliberação dos ministros da Corte. Ainda sobre o tema, destacam o atraso não encerra a apuração dos fatos e que a promotoria pode voltar a tentar quebrar o sigilo do parlamentar e de outros investigados.

A decisão de hoje no STJ é a primeira entre três recursos da defesa do filho do presidente Jair Bolsonaro que estão sob a análise da Quinta Turma. Com ela, estão invalidadas duas decisões do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, que a partir de abril de 2019 permitiram ao MP receber os dados bancários e fiscais de Flávio e cerca de cem pessoas e empresas suspeitas de terem relação com o esquema de desvios de salários de ex-funcionários do gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio ( Alerj ).

Para Alamiro Velludo Salvador Neto, advogado criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), o comprometimento da quebra de sigilo pode esvaziar a denúncia oferecida pelo MP do Rio à Justiça em outubro do ano passado, contra Flávio e 16 pessoas. A acusação ainda não foi aceita pelo TJ do Rio, uma vez que a competência para o julgamento do caso está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). A tendência, de acordo com o especialista, é que a prova anulada leve a denúncia a ser rejeitada.

"É como se a denúncia se transformasse em uma casa que perde seu alicerce, uma vez que ela se trata de uma petição de acusação , que conta uma narrativa baseada em elementos de informação, as provas. Quando esses elementos são juridicamente compreendidos como ilícitos, obtidos por uma decisão carente de fundamentação, eles deixam de ter validade", explica Salvador Neto.

Também criminalista, Celso Vilardi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), afirma que outras provas do caso das “rachadinhas” podem estar comprometidas se tiverem sido obtidas com base na quebra de sigilo anulada hoje. O raciocínio pode ser aplicado, por exemplo, em relação a materiais apreendidos em buscas e dados de telefones celulares que tiveram sigilo levantado. Há a possibilidade de que ordens de prisão também sejam revogadas. Fabrício queiroz , ex-assessor parlamentar de Flávio, está em prisão domiciliar com a mulher, Márcia de Oliveira Aguiar, desde junho do ano passado. 

"O STF já consagrou o entendimento sobre os frutos da árvore envenenada. Pela teoria, se uma prova é anulada, o juiz precisa sanear o processo, anulando todas as ações e diligências que foram autorizadas com base nas provas consideradas ilícitas. A defesa pode fazer requerimentos para isso, mas é função do juiz original do caso verificar automaticamente o que mais deve ser considerado nulo", pontua Vilardi.

Novo pedido é possível

Apesar do atraso nas investigações, o advogado constitucionalista Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), lembra que ainda é possível à promotoria repetir o pedido de quebra de sigilo, mesmo após a anulação da decisão de Itabaiana.

"O promotor pode fazer um novo pedido de quebra de sigilo para embasar a investigação e caberá à Justiça concedê-lo ou não, com uma decisão devidamente fundamentada. Enquanto o crime não prescrever, o Estado ainda pode investigá-lo", reforça Serrano.

Armando Mesquita Neto, advogado especialista em Direito Penal Econômico, acredita que a anulação da quebra de sigilo possa levar o MP a optar por um pedido mais específico, caso promotores decidam recorrer à Justiça em nova solicitação. 

"A decisão do STJ não vai ser o suficiente para impedir a continuidade das investigações, já que os fatos e indícios se mantêm. No máximo, levará a um atraso. Não é uma nulidade que impede o julgamento do caso adiante. Um novo pedido do MP partirá daquilo que se tornou conhecido na quebra anterior. Inevitavelmente, será mais objetivo e focará em pessoas e empresas determinantes para as conclusões da investigação", diz Mesquita Neto.

O MP do Rio ainda não informou como pretende proceder a partir da decisão do STJ desta terça-feira. Em nota enviada ao Globo, a promotoria informou que  “analisará as medidas que poderão ser adotadas e irá se manifestar nos prazos e nos Tribunais competentes”. Ainda cabe recurso à decisão do STJ. A defesa de Flávio Bolsonaro informou que aguardará o fim do julgamento dos recursos, na próxima terça-feira, para decidir quais medidas tomará adiante.

Fundamentação comprometida

Os especialistas ouvidos pelo Globo concordaram com o teor da decisão da Quinta Turma , apesar do impacto dela no desenrolar das investigações. Elas já estiveram paralisadas por quatro meses, em 2019, quando o STF rediscutiu as regras para o compartilhamento de informações de órgãos de controle com os de investigação. No caso de Flávio, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) repassou dados sobre o senador ao MP do Rio — procedimento que também será discutido pelo STJ, a pedido da defesa do político. 

"Tenho a impressão de que o STJ acertou ao observar que a Constituição garante uma gama de liberdades individuais aos brasileiros, que passam pelo sigilo de informações. Eles não são absolutos, mas são importantes para a garantia da intimidade. Esse sigilo pode ser quebrado pelo mesmo Estado que os assegura, com razões muito suficientes. Por isso a importância da fundamentação das decisões. Não é uma filigrana jurídica", afirma Salvador Neto, da USP.

Quatro dos cinco ministros da Quinta Turma do STJ consideraram que houve falta de fundamentação nas decisões de Itabaiana para autorizar as quebras de sigilo discutidas nesta terça-feira.

O ministro João Otávio Noronha, que abriu o primeiro voto divergente em relação ao relatório do ministro Félix Fischer, contrário à anulação , chegou a criticar o magistrado por ter utilizado uma decisão de duas linhas para quebrar o sigilo de mais de 90 pessoas. Na contramão do tribunal superior, a 3ª Câmara Criminal do TJ do Rio havia ratificado as decisões de Itabaiana, em fevereiro do ano passado.

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