Com imigrantes impedidos de entrar no Peru, cidade do Acre decreta calamidade
Haitianos, africanos e sul-americanos que tentam ir para os Estados Unidos pela Rodovia Pan-Americana se aglomeram no Acre
Se Brasilândia, no Acre, serviu há 10 anos como porta de entrada no Brasil para haitianos que fugiam dos estragos do terremoto que matou cerca de 220 mil pessoas em seu país, agora a vizinha Assis Brasil enfrenta o mesmo dilema, em rota oposta. Centenas de imigrantes se aglomeram no município na tentativa de entrar no Peru.
A Secretaria de Justiça e Segurança do Acre calcula que pelo menos 600 pessoas estão no pequeno município, de 7.500 habitantes, porque o país vizinho não permite que cruzem a fronteira. Devido à pandemia da Covid-19, as autoridades peruanas fecharam as fronteiras com o Brasil em março do ano passado.
O problema é que o Acre entrou na rota internacional de imigração. Pela BR-317, conhecida como Estrada do Pacífico ou Interoceânica, centenas de pessoas deixam o Brasil na esperança de alcançar a rodovia Pan-Americana, uma malha rodoviária que vai do Chile até o Alasca, nos Estados Unidos.
Com a saída de Donald Trump do governo americano, e a perspectiva de uma política mais acolhedora aos imigrantes com o democrata Joe Biden, o intenso comércio de entrada ilegal em solo americano voltou a ficar aquecido.
Os imigrantes chegam ao Acre pelo aeroporto de Rio Branco. Seguem para Assis Brasil de táxis ou carros de aplicativo, muitas vezes acompanhados por um guia. Apenas nesta semana, dois homens foram presos. O secretário de Justiça e Segurança do Acre, Paulo Cézar Rocha dos Santos, afirma que os dois são "coiotes", espécies de guias para os imigrantes sem documentos.
Na última segunda-feira, um peruano foi abordado na BR-317 pelo Grupo Especial de Fronteiras num táxi, suspeito de aliciar imigrantes haitianos. Ele estaria acompanhando um grupo de 80 haitianos que viajaram de São Paulo para Rio Branco.
Foram apreendidos R$ 60 mil em dinheiro, dólares e e soles (a moeda peruana). O homem disse que apenas estava no mesmo voo dos haitianos e que visitaria parentes em Porto Maldonado, no Peru, mas não conseguiu comprovar a versão e foi encaminhado para a Polícia Federal.
Nesta quarta-feira, outro peruano foi detido com US$ 15 mil, também na BR-317, entre as cidades de Brasiléia e Assis Brasil. Ele também disse ter viajado para o Acre no mesmo voo que levou a Rio Branco dezenas de imigrantes e não comprovou a origem do dinheiro. Os celulares que ele levava foram apreendidos para perícia.
O governo do Acre afirma que, além de haitianos, estão em Assis Brasil senegaleses, venezuelanos, argentinos e chilenos.
"A BR-317 se transformou numa rota consolidada de imigração e tráfico de pessoas. Estamos vendo a chegada diária de estrangeiros na região. São 50 a 60 pessoas por dia. Primeiro achamos que era refluxo de imigrantes que vieram para o Brasil, mas estamos enfrentando uma crise migratória".
Santos afirma que o Brasil deixou de ser atraente para a permanência de imigrantes, mas não fechou fronteiras, agora em uso por diversos grupos. Ele se refere ao alto desemprego no país e ao grande número de mortos por Covid-19. Ele teme que a situação de saúde se agrave na região. O único hospital que atende pacientes com coronavírus na fronteira é localizado em Brasiléia.
"Corremos o risco de, além da crise migratória, entrentar uma crise sanitária por causa da Covid", completa.
Santos afirmou que mulheres e crianças foram abrigadas em escolas e igrejas de Assis Brasil. Os imigrantes do sexo masculino fazem protestos na ponte do município que liga Brasil e Peru, onde chegaram a armar barracas.
Os grupos também bloquearam a passagem de caminhões de combustíveis que seguem do Peru para a Bolívia e usam o Brasil como passagem — os veículos seguem de Assis Brasil para Brasiléia, que faz fronteira com Cobija, na Bolívia. Nesta quarta-feira, a Prefeitura de Assis Brasil decretou calamidade pública.
A aglomeração de imigrantes em Assis Brasil tem ainda outra explicação. Eles não conseguem usar os rios da região, em rotas clandestinas, para entrar no Peru porque é epoca de cheia e as corredeiras são muito fortes, tornando o trecho uma passagem arriscada.
O governo do Acre recorreu ao governo federal e ao ministro das Relações Exteriores para negociar com o Peru a abertura da fronteira em Assis Brasil, sem sucesso até agora.