"Só dormi dois dias", diz motoboy que gravou o espancamento de João Alberto

Homem negro de 40 anos foi espancado até a morte em supermercado de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul

João Alberto foi morto por dois homens brancos no Carrefour
Foto: reprodução / Twitter
João Alberto foi morto por dois homens brancos no Carrefour

Responsável por fazer as imagens do espancamento que levou à morte João Alberto Freitas, de 40 anos, em um supermercado Carrefour em Porto Alegre , no Rio Grande do Sul , um motoboy que passava pelo local no momento das agressões filmou tudo e conta tem tido problemas de sono desde o episódio.

Em entrevista ao UOL , o entregador foi identificado como José para a preservação de sua identidade. Passados 14 dias da morte do cliente negro, ele conta que só dormiu duas noites, por puro cansaço.

Ao se deitar, se lembra das imagens vistas por ele e gravadas no celular. Segundo o motoboy, essas cenas aparecem em sequência repetitiva. É como se ele voltasse para aquele lugar e fosse capaz de ouvir os socos, os gritos e as vozes. José lembra inclusive de outra mulher que filmava as agressões junto a ele e, ao mesmo tempo, tapava os olhos do filho.

O motoboy tinha acabado de fazer compras de supermercado. Ao sair dos caixas, ele caminhou até o estacionamento e já tinha subido na motocicleta para ir embora quando viu dois seguranças agredindo um cliente negro. Era João Alberto.

De acordo com o relato dele, João Alberto estava com o braço esticado para trás como se tentasse se livrar. Mas, além disso, ele também diz que presenciou o soco de João Alberto e viu gente aglomerar.

As agressões ocorriam a três metros dele. Conforme relatou à polícia, já fazendo a gravação pelo celular, chegou mais perto dos seguranças para tentar fazer com que parassem. Falou alto que estava gravando, mas os socos continuaram.

Você viu?

Ao ver que tudo era gravado, a agente de fiscalização Adriana Alves Dutra, 51, o alertou que isso poderia prejudicá-lo, o "queimando" na loja. Ele respondeu que o que estava sendo feito com João Alberto não estava certo.

Os seguranças intimidavam quem tentasse ajudar a vítima ou tentasse apartar. "Todo mundo pediu para eles pararem", conta José. Um deles era mais agressivo e tentava pegar os celulares das pessoas que filmavam.

Nem mesmo a esposa de Beto, Milena Borges Alves, 43, foi poupada. Um deles a puxou pelo braço quando ela tentou se aproximar e outro, de paletó, a empurrou com a lateral do corpo.

Adriana estava aos gritos com as pessoas que acompanhavam a cena. A funcionária insistia que "o público" não sabia o que tinha acontecido no interior do mercado.

Dentro de 15 minutos, Beto já não apresentava mais resistência, nem falava mais. A boca estava roxa, as pontas dos dedos da mão tinham cor diferente. Os seguranças olharam para os presentes e perguntaram se alguém sabia checar sinais vitais. Um senhor de cerca de 70 anos se aproximou, analisou a vítima e avisou que ele havia morrido.

Oos seguranças Magno Braz Borges e o policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva teriam ficado desorientados e se afastaram. Cerca de 25 minutos depois, paramédicos do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegaram ao local, junto com a Brigada Militar.

José esperou a chegada da segunda ambulância. Mesmo de longe, escutou o massageador cardíaco gritar: "tente mais forte, tente mais forte".