Infecção prévia por zika pode aumentar gravidade de dengue, diz estudo

Pesquisa também alerta para reação cruzada que dificulta a ação da vacina

Mosquito da dengue
Foto: Arquivo/ACidade ON
Mosquito da dengue


Um estudo, publicado na revista científica Science nesta quinta-feira (27), indica que uma contaminação anterior pelo zika vírus aumenta o risco de dengue grave .


O estudo foi feito por pesquisadores que acompanham um grupo na Nicarágua. A pesquisa confirma relatórios anteriores , que já indicavam uma reação cruzada entre os anticorpos das duas arboviroses provocadas pelo mosquito aedes aegypti.

"Outro estudo semelhante, em Salvador, já mostrava que, num período curto, a infecção por zika parecia proteger a pessoa contra a dengue. Porém, com o passar do tempo, ela parecia aumentar a gravidade da dengue",  explica Andre Siqueira, infectologista e especialista em arboviroses da Fiocruz.

Segundo ele, processo semelhante ocorre com as infecções secundárias de dengue: quando se contrai um dos sorotipos, o paciente fica protegido desse sorotipo e dos outros três por cerca de dois anos mas, depois desse período, uma segunda infecção teria maior gravidade "porque os anticorpos que permanecem podem facilitar a entrada do vírus nas células levando a uma infecção maior".

As descobertas têm implicações importantes para o desenvolvimento, eficácia e segurança de vacinas contra dengue e zika. Essas interações entre sorotipos e arboviroses são um dos fatores que atrasam a existência de uma vacina contra dengue amplamente utilizada.

"É um risco. Se a proteção não é igual para os quatro sorotipos pode levar a um risco desigual em pessoas que nunca tiveram dengue. O estudo mostra que se houver vacina exclusiva para zika, ela pode levar a casos graves caso seja infectada por dengue. Então a vacina para zika teria que ser combinada com vacinas para dengue", diz André Siqueira.

De acordo com o estudo, embora muitas pesquisas tenham sido realizadas para entender melhor como a imunidade anterior à dengue afeta a infecção pelo zika, pouco se sabe sobre como a imunidade pela infecção pelo zika ou pela vacinação afeta uma subsequente infecção por dengue.

A autora do estudo Leah Katzelnick e colegas avaliaram os efeitos da imunidade ao zika em infecções subsequentes por dengue ao longo de respectivas epidemias desde 2004 e descobriram que uma única infecção pelo zika aumentava significativamente a probabilidade de doença grave e sintomática da dengue, particularmente dengue tipo 2.

Você viu?

Além disso, de acordo com os pesquisadores, a descoberta traz r eflexões sobre as interações entre outros vírus imunologicamente complexos, incluindo coronavírus. Katzelnick e a coautora Eva Harrism propoem a reflexão e reforçam a necessidade de estudos em que a Fase 3 seja seguida de forma criteriosa:

"Nossa descoberta é sobre flavivírus e, especificamente, os vírus da dengue e zika. Não é um mecanismo que se mostrou importante para coronavírus humanos e, portanto, não esperamos que esse mecanismo incomum se aplique necessariamente à Covid-19 . No entanto, estudar a reatividade cruzada imunológica entre vírus intimamente relacionados é sempre valioso e ajudará a fornecer informações sobre se a infecção natural com outros coronavírus humanos, bem como vacinas para Covid-19, fornecem imunidade protetora. É por isso que grandes estudos de vacina de Fase 3 cuidadosamente conduzidos são essenciais: eles testam se uma vacina funciona para proteger as pessoas, bem como se a vacina causa quaisquer efeitos colaterais negativos ."

Uma lição adicional do estudo é que a infecção natural pelo zika pode ter consequências negativas a longo praz o. "Assim, as vacinas contra zika têm que ser projetadas para induzir uma resposta melhor em comparação com a infecção natural, induzindo apenas anticorpos potentes anti-zika e evitando a indução de anticorpos potenciadores. Esta é uma consideração importante para Covid-19: as vacinas contra a doença podem ser projetadas para induzir uma resposta imunológica melhor do que a infecção natural por SARS-CoV-2, tornando-as mais seguras e eficazes", dizem os autores do estudo.

Situação no país

Do começo de 2020 até a semana epidemiológica 29 (18 de julho) foram notificados 905.912 casos prováveis de dengue no país, 56.717 casos de chicungunha e, até a semana epidemiológica 27 (4 de julho), foram notificados 5.334 casos prováveis de zika.

De acordo com o Ministério da Saúde, a distribuição dos casos mostra que até a semana epidemiológica 11, em março, a curva epidêmica ultrapassava o número de casos do mesmo período em 2019. No entanto, a partir da semana seguinte, houve diminuição dos casos em relação à 2019. O ministério salienta que, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, pode ter havido "atraso ou subnotificação para os casos das arboviroses".

O especialista da Fiocruz alerta para o risco de surtos para os próximos mese s. "As ações de vigilância acabaram não sendo feitas como usualmente, em razão das reduções de mobilidade e da proteção das equipes, então temos que estar alertas para uma ressurgência dos casos. Tem circulação e tem subnotificação porque nos casos leves as pessoas não procuraram os sistemas de saúde. Agora é preciso começar a reestruturar os serviços porque vamos entrar na época sazonal dos aumentos de casos."

Boletim epidemiológico do ministério divulgado este mês de agosto afirma que desde 2015 ocorre transmissão simultânea de dengue , chicungunha e zika em território nacional, sendo que mais da metade dos casos notificados entre 2008 e 2019 ocorreram nos últimos 5 anos.

No período de 2008 a 2019, foram notificados no Brasil aproximadamente 11,6 milhões de casos de dengue, chicungunha e zika . Neste mesmo período foram confirmados 7.043 óbitos por essas doenças. A dengue isoladamente concentrou 91% dos casos (10,6 milhões de casos) e 91,2% dos óbitos (6.429 óbitos).

No período de 2008 a 2019, foram confirmados no Brasil 6.429 óbitos de dengue, e o pior ano foi 2015 , com 986 mortes confirmadas. De 2015 a 2019, foram confirmados 593 óbitos por chicungunha pelo critério laboratorial — em 2019, os óbitos foram confirmados por critérios laboratorial e clínico epidemiológico. Já as mortes por zika ocorridas entre 2016 a 2019 foram menos frequentes: 21 óbitos, dos quais 11 (52,4%) ocorreram em 2016.