Mototaxista baleado por PM morre após três anos com projétil na cabeça
Homem ficou em coma duas vezes, passou 10 meses internado e vivia sem falar e sendo alimentado por sonda em cama instalada na casa dos pais
Por Agência O Globo |
Três anos depois de ser baleado na cabeça por um policial militar, o mototaxista Gabriel Freires Rodrigues, de 29 anos, morreu no último sábado (22). Desde 30 de julho de 2017, quando foi atingido numa ação de PMs da UPP Coroa/Fallet/Fogueteiro, em Santa Teresa, Centro do Rio, o jovem vivia com o projétil alojado no cérebro: passava os dias numa cama hospitalar instalada na casa de seus pais, não falava, mal conseguia se mover e se alimentava por sonda. Até hoje, nenhum dos agentes que participaram da operação foi punido.
Segundo seus parentes, Gabriel passou mal na madrugada de sábado e foi levado para o Hospital municipal Souza Aguiar, onde teve uma parada cardíaca e morreu. O jovem foi enterrado no domingo, no Cemitério do Catumbi. O mototaxista deixou um filho de 6 anos.
“Meu irmão foi embora sem justiça. Nosso sentimento hoje é de indignação por saber que os policiais continuam nas ruas, trabalhando normalmente”, diz Gabriela Rodrigues, irmã do jovem.
O inquérito que investiga o crime segue em andamento. No dia em que foi baleado, Gabriel estava saindo de uma festa que acontecia numa casa na Rua Miguel Rezende, perto da casa onde o mototaxista morava com a família. Os agentes afirmaram, ao apresentar a ocorrência na 5ª DP (Mem de Sá), que houve um tiroteio no local. Ao todo, sete PMs atiraram 45 vezes — 20 de fuzil e 25 de pistola — na ocasião. Em seus depoimentos, os PMs disseram que encontraram Gabriel e alegaram que havia uma pistola com o jovem, que foi levado ao Hospital Souza Aguiar.
Você viu?
Por conta dos relatos dos PMs, o rapaz ficou quase duas semanas internado sob custódia, sem direito a receber visitas de parentes. Testemunhas, entretanto, refutaram a versão dos policiais e afirmaram, em depoimento, que a arma foi “plantada”: Gabriel não estava armado e saía da festa quando foi baleado por um PM que perseguia um homem que havia fugido de uma abordagem minutos antes. Quando foi baleado, Gabriel estava a 100m da casa, na rua, e chegou a levantar os braços quando ouviu o barulho dos tiros, segundo testemunhas. Além dos depoimentos, uma perícia feita no local pela Corregedoria da PM descartou a hipótese de troca de tiros.
Dois meses depois do crime, o processo contra Gabriel pelo porte da arma foi arquivado. Já o inquérito aberto para investigar os PMs está no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público do Rio.
Um dos policiais foi premiado
Gabriel permaneceu dez meses internado após ser baleado. Nesse período, passou dois períodos em coma — inicialmente por conta da bala e, a partir de fevereiro deste ano, por conta de uma infecção hospitalar. Somente em junho de 2018, ele voltou para casa — mas nunca conseguiu recuperar a fala e os movimentos do corpo. Antes de ser baleado, Gabriel trabalhou, por cinco anos, como mototaxista no ponto da Chaminé, na saída do Túnel Santa Bárbara. O mototaxista não tinha nenhuma passagem pela polícia.
Os sete agentes investigados pelo crime — cinco soldados, um cabo e um sargento — seguem na corporação e foram transferidos para outras unidades com a desativação da UPP Coroa/Fallet/Fogueteiro, em 2018. O policial com mais tempo de corporação, um sargento, foi agraciado, no último 12, com o distintivo “Lealdade e Constância” pelo comando da PM. A condecoração é destinada a premiar policiais “que se portarem, por 10 anos consecutivos e ininterruptos, com lealdade e constância no cumprimento do dever, sem sofrer qualquer tipo de punição disciplinar”.