Covid-19: entenda por que primeira onda da doença já virou "tsunami" no Brasil
Segundo especialistas, o chamado "teto" da curva se arrasta porque a taxa de transmissão se mantém alta entre a população
Por Agência O Globo |
Enquanto outros países do mundo já enfrentam uma segunda onda da pandemia de Covid-19 , algumas regiões do Brasil vivem um primeiro e longo “tsunami” que se prolonga para além do que qualquer projeção cravou inicialmente. O chamado “teto” da curva de casos se arrasta, alertam pesquisadores, porque a taxa de transmissão (RT) do novo coronavírus, que mede a capacidade de uma pessoa doente infectar uma ou mais, se mantém alta entre a população.
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Esse cenário é nítido no estado de São Paulo, onde a adesão abaixo do ideal ao isolamento social e a flexibilização da quarentena acontecem antes da diminuição de casos no estado. É um estágio, definem especialistas, de “areia movediça”.
"Quanto mais nos movimentamos, mais afundamos. Como mal conseguimos passar de 50% de isolamento social, a curva nunca chega. Tínhamos um cenário de que o teto seria atingido no começo de julho e começaria a cair. Mas, com a flexibilização, e com a disputa de discursos políticos, a taxa de transmissão do vírus continua subindo. O resultado é que vamos postergando o teto por mais alguns meses", explica Raul Guimarães, professor de Geografia da Saúde da Universidade Estadual Paulista (Unifesp).
O governo de São Paulo comemorou ontem a primeira queda no número de mortes semanais. Segundo dados do consórcio de imprensa formado por EXTRA, O Globo, G1, Folha de S.Paulo, Uol e O Estado de S. Paulo, foram registrados no país 1.523 óbitos entre os dias 7 e 13 de junho, contra 1.526 entre 31 de maio e 6 de junho. O número, no entanto, ainda é alto: para efeito de comparação, 1.520 foi o número de mortes registrado em Portugal desde o início da epidemia. A cidade de São Paulo tem mais de 93 mil registros e 5.652 óbitos por Covid-19 . Em todo o estado, são 10.767 mortos e 181.460 infectados. No país, 891.556 casos e 44.118 óbitos.
Para a curva começar a cair, a taxa de transmissão do vírus também deve cair, para menos de 1. Isso significa, na prática, que cada pessoa infectada transmitiria o vírus para menos de uma pessoa. A dificuldade é que não adianta que apenas algumas cidades registrem queda na taxa, se em outras ela continua subindo. As diferenças regionais e as ligações entre as cidades têm efeito direto na disseminação do vírus. Enquanto a taxa de transmissão do vírus caiu a 1,06 na capital paulista, cidades do interior chegam a 2 , por exemplo.
"A rede urbana paulista é a mais densa do país. O que acontece na Baixada Santista, no Vale do Paraíba e em Ribeirão Preto está relacionado a outras cidades. É um sistema, difícil separar. Enquanto houver RT alto e baixo isolamento social, reproduziremos a circulação viral", afirma Guimarães.
A aceleração do contágio no interior e o aumento do número de cidades com casos registrados, em plena flexibilização da quarentena, ameaçam gerar uma onda de refluxo de casos e de recirculação ativa do vírus para a capital paulista. No número geral do estado, a taxa de ocupação de leitos de UTI em São Paulo está em 77,8% na Grande São Paulo e 70,8% no estado, segundo informações da Secretaria da Saúde. Em maio, foram registrados, em média, 2.612 casos de coronavírus por dia no estado. Só na primeira quinzena de junho, a média diária de casos saltou para 4.893.
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Barreiras sanitárias
A interiorização do coronavírus é especialmente percebida como alerta pelos especialistas. No estado de São Paulo, 88% dos municípios têm registros da doença, um cenário bem diferente de dois meses atrás, quando o vírus estava presente em apenas 25% das cidades.
Clóvis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirma que a doença ainda se propaga em uma velocidade preocupante no caso de cidades menores, inclusive para locais que há poucas semanas não tinham caso algum.
"A maior preocupação é justamente com as regiões que tinham sido poupadas e agora estão em uma onda de aumento de casos. É preciso fazer uma associação de barreiras sanitárias, evitando que o vírus circule. Com o H1N1 foi igual", diz Arns.
Já em relação aos municípios da Grande São Paulo, a preocupação está concentrada nas áreas de adensamento populacional e pobreza, condições que aumentam o risco de recrudescimento de casos e de colocar a perder os esforços de quarentena e prevenção.
"Nossa situação é diversa da dos países da Europa, pelas condições de habitação e pelo fato de que é mais difícil a adesão ao isolamento social aqui", diz Florisval Meinão, diretor administrativo da Associação Paulista de Medicina (APM).
Segundo ele, os países que tiveram sucesso no combate à Covid-19 promoveram uma abertura segura, mas em fase descendente da doença, após vários dias de queda dos indicadores.
Em nota, o governo de São Paulo afirmou que criou o plano de flexibilização da quarentena com amparo em critérios “estritamente técnicos” e nas “estatísticas de evolução da epidemia”. Disse, ainda, que a flexibilização das atividades não significa suspensão da quarentena.
Segundo a nota, “a conscientização da população na manutenção de medidas de isolamento social é fundamental para contenção das taxas de contaminação do vírus” e “o desrespeito às regras deverá ser fiscalizado pelas prefeituras”.