18 km de bicicleta e 10 horas no trânsito: a saga de um gari durante a pandemia

Sem opção para viagem intermunicipal no Rio, Frank dos Reis Baldez modifica rotina para conseguir chegar ao trabalho no horário

Todos os dias, Frank acorda 01h da manhã para chegar ao trabalho às 06h
Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Todos os dias, Frank acorda 01h da manhã para chegar ao trabalho às 06h

Uma hora da manhã, o despertador de Frank dos Reis Baldez toca. É quando começa a jornada do gari de 50 anos, que mora em Conrado, terceiro distrito de Miguel Pereira, na Região Serrana do Rio.

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Diante da suspensão da linha MP74 (Arcozelo-Japeri), por conta da pandemia do Covid-19, ele se viu obrigado a pedalar 18 quilômetros para chegar até a estação de trem de Japeri. No Maracanã, ele entra em um ônibus e só chega a seu posto de trabalho da Comlurb, em Vila Isabel, às 6h. No estômago, banana da terra, bolinhos de chuva e aipim, um café da manhã reforçado que a mulher dele, a dona de casa Andrea Baldez, prepara com carinho.

"Chego no trabalho e peço a Deus que me faça ganhar o sustento do dia tranquilo. Só estou conseguindo dar conta da maratona porque, pela escala da Comlurb durante a pandemia, dou expediente dia sim, dia não. Fico muito cansado! Só sinto minhas pernas quando deito na cama. Mas me sinto responsável pela vida das pessoas. Limpeza é questão de saúde pública", diz ele, que deixa o serviço às 13h30 e só almoça quando chega em casa, por volta das 18h. "Cuido das plantas, fico com meus cachorros e, às 20h, vou dormir".

A determinação e o esforço de Frank não são de hoje. Para conquistar o emprego na Comlurb, onde trabalha há 15 anos e ganha dois salários mínimos por mês, o gari conta que dormiu na fila de inscrição do concurso. Tudo para garantir que os filhos, a agrônoma Fabiana Baldez, de 29 anos, e o estudante de Educação Física Cayque Baldez, de 25, tivessem acesso à universidade.

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"Só estudei até a quinta série, faço serviço braçal desde os 16 anos. Comecei em metalúrgica, fui frentista... Tenho orgulho do meu trabalho, que me permitiu realizar meus sonhos: comprar a minha casinha e formar os meus filhos. Mas queria que eles tivessem futuro melhor", conta Frank.

Ele é responsável pela coleta de lixo no Morro dos Macacos, comunidade em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio. Ele conta que a quantidade de lixo dobrou na quarentena e que, não raro, tem que catar no chão a sujeira que transborda da caixa coletora.

"Gosto de fazer um serviço bem-feito e receber elogios, chegar em casa com a consciência tranquila", afirma ele, contando, orgulhoso, que já recebeu medalhas e certificados da Comlurb pelo seu bom desempenho.

O gari diz que tem trabalhado com os equipamentos de proteção necessários para se proteger do novo coronavírus. Reclama apenas da falta de suporte para o deslocamento dos trabalhadores de serviços essenciais. Ele gasta dez horas por dia em trânsito.

"Acho que deveria ter um ônibus para transportar apenas garis , policiais, guardas municipais e enfermeiros. Todos os dias pego uma estrada escura e sem acostamento. Um perigo! Não falto ao trabalho porque sei que a limpeza vem em primeiro lugar. Como os médicos fariam o trabalho deles se os hospitais estivessem sujos?", questiona.

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Em nota, o governo estadual afirma que as linhas que ligam os municípios do interior aos da Região Metropolitana foram suspensas até 31 de maio, conforme o decreto 47.068, como forma de conter o avanço da Covid-19 . Diz ainda que compreende as dificuldades geradas a diversos trabalhadores por conta das medidas restritivas impostas no momento. E que tais ações, além de temporárias e sob avaliação permanente, têm o objetivo maior de desacelerar a Covid-19 no estado e manter a população fluminense em segurança.