Para amenizar solidão na quarentena, voluntários contam histórias pelo telefone

Iniciativa "História por telefone" já alcançou cerca de 2.600 ouvintes desde que foi lançada, há um mês, no Rio de Janeiro

Tamires Halak saiu de uma internação hospitalar direto para a quarentena
Foto: Divulgação
Tamires Halak saiu de uma internação hospitalar direto para a quarentena

Um número desconhecido liga. Quem atende logo pensa “ou é marketing ou é cobrança”, mas se engana: do outro lado da linha está um contador de histórias. Para quebrar a dureza dos dias de  isolamento social , uma turma de cariocas telefona para pessoas de todas as idades e oferece, através da voz, delicadeza e companhia em forma de contos e poemas.

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Aos 31 anos, a funcionária pública Tamires Halak saiu de uma UTI diretamente para o isolamento social. Internada por causa de uma miocardite, ela passou uma semana num hospital e voltou para casa justamente no primeiro dia de quarentena. Proibida de fazer qualquer esforço físico por recomendações médicas, a servidora diz que viu na oportunidade de contar histórias por telefone uma forma de se distrair e amenizar a solidão.


"Ainda estou me recuperando do coração e meu marido é diabético , ou seja, do grupo de risco para a Covid-19 . É um contexto muito estressante. Poder fazer essas ligações tem sido uma experiência riquíssima. Tento ler coisas mais positivas, que passem uma mensagem de ânimo", conta Tamires, que mora em Inhaúma e faz, em média, quatro ligações diárias.

Tamires está entre os 1.062 voluntários do projeto “Histórias por telefone”, criado pela Secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa. A iniciativa já alcançou cerca de 2.600 ouvintes desde que foi lançada, há um mês. A ideia era atender a população idosa, mas o sucesso do programa foi além: a ouvinte e a voluntária mais jovens têm, respectivamente, apenas 3 e 11 anos de idade. As divisas do Rio tampouco foram suficientes: moradores de 16 estados e de quatro outros países já se inscreveram para participar.

Escritora desde a adolescência, com dois livros publicados, Cristina Ávila, de 45 anos, é uma das voluntárias que recitam poesias para ouvintes. Moradora do Anil, ela apresentou versos de sua autoria e de amigos nas quase 20 ligações que fez até ontem.

"Um dia, conversei com um rapaz da Itália que se cadastrou no projeto. Lá, todo mundo está recluso, com medo. É uma troca: quando você liga, parece que a pessoa está pertinho de você. É bom para as duas partes, ainda mais para quem mora só, como eu. Certa vez, eu estava me sentindo muito sozinha, e a pessoa que ouviu minha poesia foi tão simpática que me senti abraçada", conta Cristina.

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Do outro lado, quem ouve as prosas e versos também não esconde a emoção. Apesar de não ter o hábito de ler poesia, Luisa Batista, de 51 anos, se inscreveu para receber telefonemas, mas acabou se esquecendo do projeto. O susto inicial ao receber a primeira ligação deu lugar às lágrimas diante da força de um texto de Marina Colasanti.

"Num mundo em que tudo é pago, eu até pensei “será que essa menina vai cobrar alguma coisa?”. Ela leu um poema que diz assim: “A gente se acostuma para poupar a vida que, aos poucos, se gasta.” Isso me remeteu muito à situação que o mundo está vivendo agora. De repente, a gente teve que parar tudo, dar mais importância às coisas. Foi uma experiência muito diferente para mim", afirma Luisa, moradora de Duque de Caxias.

Fã de Cora Coralina, a pedagoga Daniele Favacho, de 41 anos, viveu uma feliz coincidência: em uma das ligações que recebeu, ouviu um poema da autora.

"Sempre gostei de poesia, mas, depois que tive meu filho, o tempo ficou reduzido. Foi muito gratificante ouvir a Cora", diz Daniele, moradora de Anchieta.

"Um afago, um carinho"

Íntima dos telefonemas, a operadora de call center Jeane Mendes, de São Gonçalo, também foi picada pelo bichinho da contação de histórias. Ela aprendeu a arte numa oficina que fez há cinco anos, e a retomou na quarentena. Agora, tem um grupo no WhatsApp no qual compartilha e seleciona textos para dividir com mais pessoas.

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"Tem gente triste e deprimida em casa precisando de um afago, de um carinho. É o mínimo que eu, como ser humano, posso fazer", afirma Jeane. Idealizador do “Histórias por telefone” o superintendente de leitura da secretaria estadual de Cultura, Pedro Gerolimich, também se voluntariou para o projeto. Quase sempre, lê o mesmo texto de Sarah Westphal, impresso em um quadro na parede de sua sala:

"Tem um trecho que diz “não deixe que a saudade o sufoque, que a rotina acomode, que o medo te impeça de tentar.” São palavras que vêm a calhar neste momento", diz Gerolimich.

Para se inscrever no projeto como voluntário basta acessar o site do programa pelo link ; e o cadastro para ouvintes está aqui.