História em obras: o desinteresse que destrói monumentos na cidade de São Paulo
Descaso na zeladoria e indiferença da população colocam em risco o rico patrimônio histórico e cultural da capital paulista
A cidade de São Paulo tem, segundo levantamento realizado pela Prefeitura no site GeoSampa , cerca de 700 monumentos catalogados pelo patrimônio histórico e cultural. Espalhados nas quatro zonas, eles são um atrativo para visitantes e para os próprios paulistanos, contando um pouco da rica história e dos principais momentos destes 466 anos de vida.
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Porém, o acervo sofre com a falta de significado junto à população de São Paulo e acaba sendo deixado de lado ou até mesmo esquecido, seja por quem deveria cuidá-lo, como os serviços de manutenção e segurança, seja por quem deveria apreciá-lo e acaba não o fazendo por diversos motivos.
Tal análise é corroborada por um projeto realizado pelo professor Alexandre Peschanski, mestre em Ciência Política e doutorando em Sociologia, com alunos da Faculdade Cásper Líbero. Além de catalogar um acervo maior do que o apontado pela Prefeitura , com mais de 1170 obras listadas, o trabalho chegou a uma conclusão bastante triste: o desinteresse é um adversário pesado demais.
“Um dos exercícios que eu pedia para os alunos fazerem era registrar a interação das pessoas com as estátuas e esculturas . A maior parte delas é de indiferença, as pessoas simplesmente não dão a mínima para aquilo que está lá colocado, o que é um real problema. As pessoas não significam o que de fato está sendo exposto. Há um problema de falta de contexto para essas obras de uma maneira geral, o que leva as pessoas a simplesmente não se interessarem”, afirma Peschanski.
E não é só de obras gigantes, como o Borba Gato, localizado na zona sul, e o Obelisco, próximo ao Parque do Ibirapuera, ou famosas, como a ‘Velocidade, Alma e Emoção, feita em homenagem ao piloto Ayrton Senna, que vive São Paulo.
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Espalhados pela cidade existem monumentos dos mais variados, que por vezes chamam a atenção pela estética ou por eternizarem situações incomuns, como a estátua que homenageia os varredores de rua, intitulada 'Monumento ao Trabalhador do Asseio, Conservação e Limpeza Urbana', e a da 'pega do porco', que retrata brincadeira típica na cidade no Século XX.
O projeto
Iniciado em 2016, com o objetivo de documentar todos os bens tombados e monumentos da cidade, o projeto contou com o auxílio do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo , que autorizou o acesso ao inventário de monumentos em logradouros públicos da cidade, e classificou em sua base de dados 1.174 obras que podem ser encontradas na página ‘ Mapa de monumentos e esculturas na cidade de São Paulo ’ na Wikidata.
Tal levantamento possibilitou outra análise negativa sobre a manutenção do patrimônio histórico e cultural de São Paulo: muitas das obras já não apresentavam as mesmas condições de quando foram produzidas, quer seja por vandalismo ou por simples descaso de quem deveria zelar por elas.
“Calculamos que, aproximadamente, umas 300 destas obras tenham sido roubadas, destruídas, movidas para local desconhecido – às vezes pela própria Prefeitura, que não sabia informar a localidade exata de alguns destes monumentos -, entre outros problemas”, aponta Peschanski.
Violência transforma o público em privado
Um bom exemplo de como a violência acaba impactando de forma negativa no patrimônio da cidade é o que aconteceu com o monumento que homenageava a fundação do São Paulo Futebol Clube: instalado inicialmente na Praça da Sé, na região central, ele foi completamente destruído.
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No local, sobrou apenas um quadrado de concreto, com o ferro aparente e algumas marcas de pichações. Movido para o museu do São Paulo , foi completamente reconstruído e passou a fazer parte do acervo da instituição. "Esse, que era um monumento de logradouro público, entrou para uma reserva fechada e privada para que pudesse ter mais segurança", finaliza Peschanski.