Maria do Carmo Gargaglione, uma das técnicas do Ministério Público (MP) que analisou o áudio do porteiro do condomínio do presidente Jair Bolsonaro no Caso Marielle Franco , já foi acusada, pela perícia da Polícia Civil, de 'edição fraudulenta' de uma escuta em uma outra investigação, de 2009. Na ocasião, laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) mostrou que os áudios analisados por ela tinham sido editados, incriminando um dos investigados. Na Justiça, ele acabou absolvido.
Laudo do ICCE, feito pela perita Denise Rivera, atual vice-presidente da Associação de Peritos do Estado do Rio de Janeiro, apontou a irregularidade na análise de Gargaglione. "Áudios que foram objetos de exame da técnica Maria Gargaglione exibem uma edição fraudulenta em relação ao diálogo identificado como 184", diz trecho do documento.
Na época, a investigação do MP, intitulada Propina S.A, desarticulou um esquema de corrupção que envolvia fiscais da Secretaria de Fazenda. O esquema era comandado pelo fiscal Francisco Roberto da Cunha, conhecido como Chico Olho de Boi.
A perícia do ICCE atestou que houve edição fraudulenta de um diálogo de um dos investigados com Chico. O relatório apontou, após apreensão das interceptações telefônicas originais, que vozes atribuídas a um dos investigados no laudo emitido por Gargaglione, em duas conversas, não eram dele.
Áudio do porteiro
A análise do áudio do porteiro, confeccionada em menos de três horas, atestou que o funcionário do condomínio de Bolsonaro teria ligado para a casa de Ronnie Lessa, um dos acusados pela morte da vereadora, e não para a do presidente. A perícia do MP foi criticada por não ter analisado o sistema de gravação da guarita, apreendido somente ontem pela polícia.
Processo na Justiça acaba em acordo
O caso dos laudos divergentes foi parar na Justiça. Numa entrevista, Maria Gargaglione teria ofendido Denise Rivera pela acusação de fraude. Ambas ingressaram com processos mútuos por difamação e calúnia. No entanto, tudo terminou em um acordo de desistência, com cláusula de confidencialidade, e, na decisão judicial foi declarada "extinta a punibilidade de Gargaglione".
Procurada, a perita Maria Gargaglione respondeu por meio de nota do MP. Segundo o órgão, a técnica cometeu um "mero erro de digitação" e que "a perita Denise Rivera reconheceu que não houve fraude, tendo sido extintos os processos".
Denise negou que tenha retirado a acusação contra Gargaglione. O advogado de Denise, João Tancredo, demonstrou surpresa com o posicionamento do MP: "Absurda essa afirmação. Não há uma linha sequer de retratação da Denise. O que ocorreu foi um acordo de desistência das partes", disse.
Dúvidas no laudo sobre o porteiro
Assim que o laudo do porteiro foi divulgado, a Associação dos Peritos do Estado do Rio de Janeiro (Aperj) apontou problemas no documento. A reportagem de O DIA
mostrou o laudo para um perito da associação, que fez outros apontamentos:
1) As promotoras perguntaram: "Quantas ligações foram efetuadas para a residência 65/66 (de Ronnie Lessa)". A resposta fala em 264 ligações para a casa 65 e 14 para a casa 66. Ocorre que a imagem mostra 26 ligações para a casa 65 e 14 para a casa 66;
2) Nenhum cálculo ou exame acústico é citado para embasar o exame de parâmetros acústicos mensuráveis como formantes;
3) Apesar de citar a ciência e organismos internacionais, os parâmetros analisados estão em conformidade com a Academia Brasileira de Fonoaudiologia Forense (Acadeffor), instituição criada pela própria técnica Maria Gargaglione. "Na verdade a Acadeffor não possui reconhecimento técnico, que estabelece esses parâmetros de análise de áudios", disse o perito, que preferiu não se identificar.
Divergências em mais dois casos
Pelo menos outros dois casos mostraram divergências entre laudos de voz feitos pelo departamento coordenado pela técnica Maria do Carmo Gargaglione e pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli.
Um deles integra o caso do assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, ocorrido em julho de 2013. Laudo de voz do MP apontou que o soldado Marlon Campos Reis teria se passado por um criminoso, na tentativa de responsabilizar traficantes pela morte de Amarildo, livrando da culpa policiais da UPP da Rocinha, na Zona Sul do Rio. Já o ICCE afirmou que não era possível confirmar ser a voz de Marlon e apresentou à Justiça um laudo apontando que o fato era inconclusivo. O policial foi absolvido em primeira instância.
O outro caso de divergência de laudos de voz é referente à operação Purificação, de 2012. Na ação, 65 policiais militares foram presos. Exames de voz feitos pelo ICCE apontaram que análises de voz de gravações telefônicas de 13 PMs foi conclusivo apenas para um policial. Segundo o documento, o único confronto de voz que deu positivo foi do sargento Paulo Sergio Fernandes Odilon.
As outras 12 escutas analisadas, autorizadas pela Justiça, de acordo com os peritos, deram negativas, inconclusivas ou prejudicadas, contrariando laudo do MP. Em um dos casos, o ICCE mostrou que uma fala foi imputada a três policiais diferentes. O resultado foi debatido na Comissão de Segurança Pública da Alerj. "A audiência busca averiguar se houve alguma injustiça contra esses policiais", afirmou o presidente da comissão à época, deputado Iranildo Campos.