O cartão de gratuidade de um idoso de 74 anos passou 129 vezes num mesmo dia pelos validadores dos ônibus do Rio. Caso tivesse sido utilizado realmente pelo beneficiário, o que é desmentido por imagens de câmeras dos coletivos, o usuário teria feito um embarque e desembarque a cada 11 minutos, sem intervalo para as refeições, ida ao banheiro ou para dormir. Esse foi apenas um dos 20 casos envolvendo o que o RioCard chama de maiores fraudadores da gratuidade das passagens encaminhados nos últimos três meses para a Secretaria estadual de Transportes e o Ministério Público estadual.
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Os nomes que compõem cada uma das três listas são de pessoas que tiveram o Cartão de Idoso utilizado em quantidade exagerada na mesma linha, em horários sequenciais e num mesmo dia, o que configuraria a fraude segundo o RioCard. Segundo o órgão, a situação é mais comum do que parece. Entre o começo de 2018 e agosto desse ano, o sistema conseguiu flagrar 395.773 transações (cada vez que o cartão é usado) irregulares somente com o benefício dos idosos, público majoritário entre os atendidos pelas gratuidades.
Segundo o RioCard , esse cartão é o preferido dos fraudadores, por não ter limite de uso. A utilização irregular e fraudulenta também é maior com cartão de idosos, porque nessa faixa de público estão os principais usuários de gratuidades. Eles representam 56% de um total de 1,5 milhão de benefícios que abrange também estudantes, portadores de necessidades especiais, doentes crônicos e outros.
A identificação dessas situações passou a ser mais eficaz desde o ano passado, quando os ônibus começaram a utilizar o sistema de biometria facial , pelo qual câmeras junto aos validadores fazem os fragrantes, colhendo imagens que servem para compor um espécie de dossiê para documentar a irregularidade . Essas imagens mostram, muitas vezes, dezenas de pessoas, inclusive de sexo e idades diferentes da do titular do benefício utilizando o cartão dele, muitas vezes num mesmo dia e até na mesma linha.
Entre os casos mais emblemáticos dos últimos três meses está o de uma idosa de 71 anos que teve o seu cartão de gratuidade usado por 722 vezes em 16 dias, com picos de utilização de 97 vezes num só dia. Situação semelhante um homem de 69 anos, cujo cartão foi usado 710 vezes em período semelhante e com registro de 94 utilizações num mesmo dia. O cartão de outra idosa, de mesma idade, teve 301 usos em cinco dias, sendo 90 num só dia.
O que há de comum nesses e em outros milhares de casos é que quem aparece nas imagens quase nunca é o titular do benefício . Algumas pessoas que fazem o uso indevido do cartão até tentam cobrir o rosto com bolsas, sacolas e mochilas ao passar pelas câmeras. Outras não têm o menor preocupação em disfarçar o flagrante. Há também casos em que aparece uma pessoa passando o cartão no leitor para o passageiro, configurando venda do benefício.
Para evitar que haja injustiças, os laudos que comprovam as irregularidades são fartamente ilustrados com imagens, em geral mais de uma do mesmo uso, para que não reste dúvida do mau uso por terceiros. Eles apontam inclusive se o titular se enquadra ou não num caso chamado de “extraordinário”, como os cadeirantes, que necessitam que outra pessoas passe o cartão no validador por ela.
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"A biometria facial é onde a gente verifica por meio de um laudo que a pessoa que está utilizando o benefício é diferente daquela que é titular do cartão. Ele (o titular) segue o rito da lei e pode ter o benefício bloqueado", alerta Melissa Sartori, gerente de Marketing e Produtos do RioCard.
O Decreto 45.749/2016, que trata da implantação do controle biométrico nos ônibus, prevê medidas em casos de uso indevido ou fraudulento das gratuidades, que vão do cancelamento definitivo do benefício a sanções penais. Segundo Melissa, é difícil para eles comprovar o envolvimento direto do beneficiário na fraude, já que o cartão pode estar sendo utilizado, inclusive sem o seu conhecimento, por familiares ou outras pessoas que moram na mesma casa. Por outro lado, ela considera também necessário investigar se essas pessoas estão sendo coagidas por terceiros e se elas mesmas estariam lucrando com a irregularidade.
Melissa alerta que os usuários precisam ter consciência de que o benefício da gratuidade é pessoal e intransferível. Ela lembra também que ao contrário do que muitas pessoas pensam, alguém está pagando para ela viaje de graça, seja o Poder Público através de subsídios — como é o caso da gratuidade para estudantes — e até mesmos os pagantes, como acontece com a gratuidade dos idosos, que não é subsidiado:
"Esse uso indiscriminado do cartão ou seu empréstimo (para uso de outras pessoas que não o titular), acarreta a diminuição do número de pagantes (dos ônibus ) e isso provoca um desiquilíbrio tarifário que incide no reajuste das passagens, já que o número de pessoas transportadas (inclusive as gratuidades) entram no cálculo do preço. Nos demais casos que têm subsídio significa dizer que o governo está pagando para quem não precisa (daquele benefício)", aponta a gerente do RioCard.
Segundo Melissa, o poder de punição do RioCard está limitado ao bloqueio do cartão por até 180 dias, no caso da segunda reincidência. Inicialmente, quando é constatado um indício de uso irregular do cartão, uma mensagem no visor do validador informa que a pessoa precisa comparecer no prazo de até dez dias a um posto de recadastramento, sem o bloqueio do benefício. Casa haja reicindência, o primeiro bloqueio é automático por 60 dias.
"No primeiro caso, quando as pessoas comparecem ao posto e mostramos o laudo comprovando o uso do cartão por outras pessoas, muitos alegam que perderam o cartão", conta Melissa.
Tem também os que emprestam o cartão sem maldade, achando que não está fazendo nada de errado. Muitas irregularidades cessam nesse estágio, o da visita ao posto de recadastramento, quando o titular é alertado de que está praticando uma irregularidade que pode resultar em punição, como a perda do benefício. O RioCard também elabora periodicamente listagens com os nomes dos maiores perdedores de cartões que são enviadas ao Ministério Público. Nesses casos, as pessoas só conseguem reaver o benefício, após autorização do órgão. E, mesmo assim, precisam também apresentar a carteira de identidade no embarque.
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Garantia da lei
A Secretaria de estado de Transportes informou que a gratuidade para idosos é um direito garantido por lei federal, e não há ingerência da pasta na sua concessão. Ainda segundo o órgão, em 2016, a secretaria publicou o Decreto nº 45.749/2016 sobre a implantação do controle biométrico, que prevê medidas em casos de uso indevido ou fraudulento do benefício.
Ainda de acordo com a Setrans, no primeiro momento, os usuários recebem mensagens nos validadores solicitando que se dirijam aos pontos de atendimento da Riocard para a visualização da inconsistência e explicações, no prazo de 5 ou 10 dias. Haverá a suspensão do benefício por 60 dias, a contar da data da ocorrência; e o cancelamento definitivo, em caso de reincidência após a reativação. Mas, não informou o número de cartões cancelados por fraude ou uso indevido.