Drauzio apontou que é nos primeiros anos de vida que a criança têm maiores conexões cerebrais, sendo um momento crucial para o desenvolvimento infantil
Foto: Flávio Moret
Drauzio apontou que é nos primeiros anos de vida que a criança têm maiores conexões cerebrais, sendo um momento crucial para o desenvolvimento infantil

"Não é possível ter esse nível de desigualdade e querer paz nas ruas", avalia Drauzio Varella. A fala foi dita pelo médico oncologista e escritor brasileiro na manhã desta sexta-feira (4). Ele participou do VIII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, que acontece na cidade de São Paulo, nos dias 3 e 4 de outubro. 

Reconhecido por seu trabalho nos presídios desde a época em que atuou como médico no Carandiru, Drauzio apresentou um paralelo entre a superlotação das penitenciárias no Brasil e a dificuldade no desenvolvimento infantil, pobreza e violência. Para ele, a desigualdade social brasileira favorece o fortalecimento do crime, que muitas vezes é a única alternativa de ascensão social para crianças.

"As mães se envolvem com os homens e muitas vezes ao visitá-los levam drogas escondidas. Isso é comum. A gente tem hoje uma geração de mulheres presas por tráfico de drogas por causa dos seus maridos. Quando elas são vistoriadas e descobrem a droga, são detidas e depois presas. Não voltam mais para casa durante um bom tempo, talvez quatro anos. E os filhos vão sendo distribuídos para quem pode cuidar, talvez um abrigo, um tio distante. Essas crianças crescem sem nenhum auxílio e o resultado é que depois são esses que vão estar na cadeia, encarcerados", explicou Drauzio. 

De acordo com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), no Nordeste, 26,6% das famílias com crianças de 0 a 6 anos vivem em domicílios com a renda familiar per capita menor do que R$ 170. Já no Sul do país, o número é bem menor. Ainda de acordo com informações da PNAD Contínua são apenas 5,7% dessas famílias. Atualmente são 20,6 milhões de crianças de 0 a 6 anos em 2019 no Brasil. No mapa da desigualdade do país 1 em cada 3 dessas crianças vive na pobreza ou na extrema pobreza. 

O Simpósio apresentou diferentes contextos que vivem as crianças nos primeiros anos da vida, como a pobreza, saúde, educação e assistência social. Participaram dos dois dias de conversa especialistas das áreas de educação, economia, saúde e comunicação com o intuito de debater a criação de práticas que promovam o desenvolvimento integral de crianças nos primeiros anos de vida.

Desenvolvimento infantil x Política de encarceramento

Paralelo feito por Drauzio é que a partir do momento que essas mães são presas, as crianças podem ter o futuro comprometido
Foto: Gláucio Dettmar/Agência CNJ
Paralelo feito por Drauzio é que a partir do momento que essas mães são presas, as crianças podem ter o futuro comprometido

A Lei nº 13.257, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, foi sancionada em 2016 e ampliou as possibilidades de prisão domiciliar, determinando que esta seja aplicada a mulheres presas provisoriamente quando gestantes, mães de crianças com até doze anos, ou cujos filhos e filhas sejam portadores de deficiência. 

A ideia é que a prisão domiciliar possibilite às mulheres e seus filhos e filhas o direito ao convívio, aproximando-as das garantias fundamentais de dignidade, desempenho da maternidade e desenvolvimento integral da criança. 

De acordo com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, no relatório “Diagnóstico da aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para o desencarceramento de mulheres”, a maioria das mulheres entrevistadas pelos pesquisadores tiveram o pedido de conversão de prisão cautelar em prisão domiciliar negado. 

O relatório aponta ainda que o perfil majoritário era mulher negra, mãe, pobre  e principal responsável pelos cuidados da família. O documento aponta ainda que os crimes eram para complementar a renda familiar, relacionados ao comércio de drogas e os chamados crimes patrimoniais, como roubo e furto.

O paralelo feito por Drauzio entre a questão carcerária no Brasil e a primeira infância é que a partir do momento que essas mães são presas, as crianças podem ter o futuro comprometido. Ele aponta que é nos primeiros anos de vida, de 0 a 6, que a criança têm maiores conexões cerebrais, sendo um momento crucial para o desenvolvimento infantil. 

Foto: Flávio Moret
"É uma sociedade absurda essa que comete uma crueldade como essas para punir uma pessoa que já veio de uma situação inferiorizada", apontou o médico

De acordo com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 53% dos brasileiros acreditam que a criança começa a aprender só depois dos seis meses, apesar da ciência comprovar o aprendizado desde o útero. 

Nos primeiros anos de vida as conexões neurais se formam a um ritmo de 1 milhão por segundo. "Então, por exemplo, se essas crianças são afetadas por um problema de saúde, se não tem assistência médica, emocional e nem saneamento básico, parte dessa energia cerebral passa a não atender mais a área do desenvolvimento e é realocada para o sistema imunológico e depois o aprendizado fica muito mais difícil", detalhou Drauzio. 

Ele pontuou que nas prisões femininas, quando os filhos são afastados das mães ainda novos, por exemplo, isso pode comprometer a inteligência da criança para sempre. "É uma sociedade absurda essa que comete uma crueldade como essas para punir uma pessoa que já veio de uma situação inferiorizada. Não é possível ter esse nível de desigualdade e querer paz nas ruas. Nós não vamos ter paz nas cidades desse jeito", frisou.

Drauzio destacou ainda que não há dinheiro para encarcerar tanta gente. "Em 1989, quando comecei no Carandiru, eram 90 mil presos no país. Agora são mais de 800 mil, quase nove vezes mais. Nossas ruas ficaram mais seguras?. Aí sempre aparecem os políticos demagogos querendo construir mais prisões no país", afirmou. 

De acordo com o médico, para acabar com a superlotação apenas no estado de São Paulo seria necessário abrir 84 mil vagas, ou seja, mais 84 cadeias, a um custo de construção de R$ 50 milhões cada. "Se a gente fizer a conta gastaríamos R$ 4,2 bilhões somente para colocá-las em pé. E para mantê-las? E os novos presos? E os funcionários?", indagou.

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