Barrado pelo CNJ, divórcio impositivo permitiria processo sem consenso; entenda

Provimento aprovado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco permitiria que certidão de divórcio fosse emitida sem que fosse necessária a presença de um dos cônjuges no cartório; CNJ barrou decisão na última sexta-feira (31)

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Provimento tornaria possível o divórcio unilateral, ou seja, sem o consenso entre ambos os cônjuges

Um a cada três casamentos terminam em separação no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registrados 40 anos após a instituição da Lei do Divórcio, de 1977. Um provimento aprovado por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), mas proibido pela Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pretendia facilitar o processo no estado e tornar popular o chamado divórcio impositivo no País.

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Com a aprovação do Provimento 06/2019, os pedidos de  divórcio feitos em Pernambuco poderiam ser realizados por somente um dos cônjuges, sem que fosse necessária a presença de ambas as partes no cartório. A aprovação foi assinada pelo corregedor do tribunal, o desembargador Jones Figueirêdo Alves, e divulgada publicada no Diário de Justiça Eletrônico no último dia 14.

O objetivo seria de que o processo do divórcio pudesse ser realizado com mais dinamicidade e sem burocracias, já que, segundo Figueirêdo, a separação começa no momento em que uma das partes está infeliz com o casamento, e não quando a Justiça autoriza.

“As relações humanas precisam de uma resposta rápida do Estado. O provimento define que o divórcio seja eficiente para os problemas das pessoas. Não existe lei que garanta a continuidade do casamento”, explicou.

Apesar da aprovação por parte do Tribunal de Pernambuco, na última sexta-feira (31), o CNJ expediu recomendação para que os tribunais de Justiça do País não editem normas que possam regulamentar o divórcio impositivo  – também chamado de 'divórcio unilateral'.

Segundo o corregedor Humberto Martins, o ordenamento jurídico brasileiro não permite que o divórcio seja realizado extrajudicialmente quando não há consenso entre o casal. Além disso, o ministro ainda alega que o TJ de Pernambuco teria “usurpado competência legislativa outorgada à União” e estabelecido uma disparidade entre esse e os demais estados do Brasil.

Como é o processo em todo o País?

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Processo no País ocorre somente com o consenso entre o casal, em um cartório e com o acompanhamento de um advogado

Esse não foi o primeiro ato decretado no País a fim de tornar o processo menos burocrático. Em 2007, a promulgação da Lei 11.441 permitiu que a separação (uma etapa prévia em que os deveres do casamento são anulados, mas podem ser retomados facilmente)  e o divórcio (extinção definitiva do matrimônio) fossem requeridos por via administrativa, no cartório.

Já com a aprovação de uma PEC em 2010, foi criado o divórcio potestativo – ou seja, sem contestações – e excluiu-se o requisito de que o casal estivesse previamente separado por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos, antes que pudesse assinar os papéis.

A PEC permitiu que o casal pudesse se divorciar em apenas um ato, desde que ambos estivessem de acordo, em companhia de um advogado e sem envolvimento de filhos menores. Na época, a medida foi considerada uma verdadeira revolução no Direito de Família Brasileiro e mais adequada à realidade contemporânea.

Já as demais questões que envolvem o divórcio como, por exemplo, a partilha dos bens, a questão relativa aos filhos e ao nome devem ser resolvidas por meio de processos judiciais, podendo ser consensual (também conhecido como amigável, em que há concordância entre o casal) e litigioso (em que uma ou ambas as partes não concordam sobre os termos do divórcio e, nesse caso, um juiz deve declarar quais são os direitos de cada um).

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Como seria com o provimento?

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Tribunal da Justiça de Pernambuco havia aprovado o provimento no último dia 14

Além de Pernambuco, a Corregedoria-Geral de Justiça do Maranhão, com a assinatura do desembargador Marcelo Carvalho Silva, também havia regulamentado o divórcio unilateral. De acordo com José Roberto Moreira Filho, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a aprovação foi tomada pelos dois estados devido à PEC de 2010, que determinou o divórcio potestativo.

“O Tribunal de Pernambuco entendeu que, como o divórcio é direito absoluto dessa pessoa, poderia ela, mesmo que o outro cônjuge não queira, ir até o cartório onde ela se casou e fazer o divórcio impositivo”, explicou Moreira.

Mas, afinal, bastaria apenas um dos cônjuges comparecer em um cartório de um desses dois estados? Sim, os únicos requisitos seriam de que o pedido de divórcio fosse feito no mesmo cartório onde o casal se casou, sendo acompanhado(a) por um advogado ou defensor público, e que não houvesse crianças menores, nascituras ou incapazes envolvidas no processo.

Após o pedido, o outro cônjuge receberia uma notificação em até cinco dias informando sobre o processo e, no prazo de mais cinco dias, a averbação do divórcio aconteceria.

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Segundo o desembargador Jones, a medida permitiria que pessoas mais carentes tivessem acesso ao divórcio, sem haver despesas, além de tornar possível que a decisão fosse unicamente da pessoa que quer se divorciar. “A autossuficiência é uma obrigação do estado, a fim de que as pessoas tenham o seu objetivo mais rápido. O que eu acho interessante é que a população desconhece esse fato. Estamos dando visibilidade ao que estava escondido nas entranhas da Constituição.”

Além disso, de acordo com o desembargador, o provimento ainda beneficiaria mulheres que estão em um relacionamento abusivo e precisam sair dessa situação o quanto antes. “As mulheres agredidas precisam esperar por muito tempo para se divorciar. Com o provimento, elimina-se esse conflito, porque quando se torna crônico, fica mais difícil de ser superado. É uma garantia de que elas não precisam ser submetidas a um processo demorado.”

Da mesma forma concordou Moreira, que defende que não há necessidade para se judicializar um processo que é de direito do cidadão. “O que o Tribunal de Justiça de Pernambuco fez foi justamente dar a oportunidade àquele que quer se divorciar poder fazer isso da forma mais prática e tranquila possível”, explicou.

Proibição do divórcio sem consenso

Foto: Divulgação/CNJ
Ministro Humberto Martins assinou a recomendação destinada aos tribunais de Justiça do País

Consultado antes que o provimento fosse barrado, Jones dizia acreditar que a tendência seria de que, a partir de agora, os demais estados começassem a seguir os passos de Pernambuco e Maranhão e adotassem o divórcio impositivo. 

Porém, com a proibição do  CNJ , não há indícios de que os estados passarão a aceitar tal provimento. Apesar disso, o corregedor Humberto Martins ressalvou que, por mais que ainda seja necessário o consenso entre o casal, ninguém é obrigado a permanecer casado contra a vontade e o Poder Judiciário pode ser acionado para resolver essa questão.

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“Se houver conflito de interesses, impor-se-á a apreciação pelo Poder Judiciário por expressa previsão legal. Essa é a solução escolhida pelo legislador federal. Outras há, inclusive em países estrangeiros, que podem ser melhores, mais atuais ou até mesmo mais eficazes. Nenhuma delas, porém, obteve o reconhecimento do Congresso Nacional brasileiro. Só por essa razão, de nada lhes adiantarão todos esses supostos méritos”, escreveu Martins no documento de proibição do divórcio unilateral.