Milícia é investigada por ‘criar’ bairro e cobrar taxa de segurança no Rio

Sacil chama a atenção porque os muros e portões de suas casas ganharam recentemente um selo, para identificar os moradores que são “contribuintes”

Bairro Sacil, que não existe no mapa do Rio, é comandado por milícia e tem até adesivo para identificar contribuintes
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Bairro Sacil, que não existe no mapa do Rio, é comandado por milícia e tem até adesivo para identificar contribuintes

Para o poder público, a São Leonardo é apenas parte de um grupo de ruas na divisa entre Irajá e Vista Alegre, na Zona Norte do Rio. Na prática, no entanto, o conjunto de vias, predominantemente residenciais, forma o Bairro do Sacil, que não está no mapa da cidade: é um território dominado por uma milícia.

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O Sacil chama a atenção porque os muros e portões de suas casas ganharam recentemente um selo, para identificar os moradores que são “contribuintes” da taxa criada pela milícia . Delimitado por várias cancelas que fecham as ruas, o local tem guaritas e vigilantes. E placas com o aviso “bairro seguro”.

É possível constatar que nem todas as residências têm os adesivos que indicam uma “ contribuição ” de pelo menos R$ 20 por mês. Os poucos moradores que aceitam falar demonstram medo. Segundo eles, os homens que cuidam da segurança circulam uniformizados. Nenhum exibe arma.

"Saio cedo para trabalhar e só volto à noite. Não queria pagar a tal contribuição, mas acabei me rendendo. Todo mundo paga, e eles passaram a colocar os adesivos nas casas. Achei melhor não ser a única diferente. É uma atividade ilegal. Quem deve dar segurança ao cidadão? Tem que ser a polícia. É no mínimo estranho", disse uma moradora, acrescentando que, antes de começar a fazer os pagamentos, sua família foi assediada por alguns homens.

Pelas ruas do Sacil , homens circulam com um colete que tem emblema no peito e nas costas: “apoio”. O emblema tem um “S” estilizado, e se parece com o adotado por firmas de segurança privada. Porém, não há sinal da existência de empresa formal ou telefone para contato. O esquema de vigilância chegou também às ruas Anhembi, Pedro Teixeira e Criciúma, entre outras.

Polícia investiga expansão de paramilitares na região

A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e de Inquéritos Policiais ( Draco ) afirmou ontem que há investigações em curso sobre a atuação de uma milícia na área visitada pela equipe do Jornal Extra. A unidade da Polícia Civil também informou que vem apurando a atuação de grupos paramilitares em outros bairros da Zona Norte, mas não especificou quais “para não prejudicar o trabalho de inteligência”.

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A Secretaria Municipal de Urbanismo confirmou que as cercas, cancelas e guaritas instaladas nas ruas de Irajá e Vista Alegre são clandestinas. Ainda segundo o órgão, uma equipe de fiscais irá esta semana à região para fazer uma vistoria e constatar possíveis irregularidades. Na divisão oficial da cidade por bairros, o Sacil não existe. No mapa, a única referência de que se trata de uma área pública é a presença da Escola Municipal Mário Paulo de Brito, no número 47 da Rua São Leonardo.

As cancelas foram instaladas pelos próprios moradores nos anos 1990, preocupados com a precariedade do policiamento e com o aumento da violência.