Juiz federal rejeita denúncia contra militar acusado de estuprar presa política

Magistrado publicou a sentença em pleno Dia Internacional da Mulher e citou o filósofo conservador Olavo de Carvalho em sua argumentação

Inês Etienne Romeu foi estuprada quando estava presa na Casa da Morte; juiz citou Lei da Anistia e rejeitou denúncia
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil - 25.3.2014
Inês Etienne Romeu foi estuprada quando estava presa na Casa da Morte; juiz citou Lei da Anistia e rejeitou denúncia

Em decisão polêmica, um juiz federal de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, rejeitou denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra Antonio Waneir Pinheiro Lima, conhecido como Camarão. Ele é acusado de ter estuprado a ex-presa política Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da unidade clandestina de tortura da ditadura militar conhecida como Casa da Morte. Inês morreu há dois anos.

Leia também: Em depoimento secreto, general debocha de Comissão da Verdade

Na justificativa para a rejeição da denúncia, o juiz Alcir Luiz Lopes Coelho citou a Lei da Anistia e um decreto de 1895, afirmando que anistia, uma vez concedida, é irrevogável e assumida como direito adquirido. “O denunciado é acusado de ter cometido, entre 01/06/1971 a 20/07/1971, crimes relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”, argumentou Coelho na decisão.

Para o magistrado, o desrespeito à anistia “ofende a dignidade humana” e que, por esse motivo, o crime estaria prescrito, portanto, estaria com a punibilidade duplamente extinta. Ele ressalta que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” e que, no caso, a denúncia faz o oposto, retroagindo para “prejudicar o acusado”.

Segundo Coelho, não há provas documentais dos fatos, apenas reportagens, entrevistas, “sentenças proferidas por tribunais de organismos estrangeiros”. Ele diz ainda que Inês prestou queixa somente oito anos após o ocorrido.

Leia também: Ditadura promoveu queima de arquivo em série, diz ex-delegado do Dops

Para finalizar sua argumentação, o magistrado lembra que Inês foi condenada durante o período de ditadura . Ele citou ainda o filósofo conservador Olavo de Carvalho . “Ninguém é contra os 'direitos humanos', desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas”.

Críticas

Um dos autores da denúncia, o procurador da República Sérgio Suiama classificou a decisão como “o terceiro estupro de Inês Etienne Romeu”, destacando que a “lamentável sentença” foi publicada no Dia Internacional da Mulher e que o estupro dela não foi investigado até 2013.

“Graças à ordem judicial de busca e apreensão, pedida e cumprida pelo MPF na casa do coronel já falecido Paulo Malhães, foi possível, após quase três anos de investigações, descobrir a verdadeira identidade de 'Camarão', o militar Antonio Waneir Pinheiro Lima”, disse o procurador por meio de redes sociais.

Suiama, que garante que o MPF irá recorrer da sentença, considera que “a decisão judicial ignora ou desqualifica todas as provas obtidas”, inclusive a palavra da vítima, “dizendo que o fato só foi relatado após 8 anos do ocorrido, como se fosse possível à vítima ir a uma delegacia de polícia em 1971 registrar queixa contra os militares que a violentaram e torturaram”.

A Câmara Criminal do Ministério Público Federal também se pronunciou a respeito da decisão judicial. O órgão lembrou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afastou o argumento de anistia e prescrição para esse tipo de crime.

“O Ministério Público Federal, por intermédio de sua Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal, lamenta veemente tal concepção, pois nenhuma mulher, ainda que presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta. E tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade”.

Leia também: Bolsonaro diz que Exército livrou País de ditadura e quase sai na mão na Câmara

Segundo o texto, o MPF aguarda que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região “reforme a decisão teratológica, permitindo que os fatos denunciados sejam devidamente provados no âmbito de um devido processo legal, sempre negado aos que se opuseram ao regime ditatorial”. A nota com críticas à decisão do juiz é assinada pela coordenadora da Câmara Criminal, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.


* Com informações da Agência Brasil