Membros do povo tupinambá realizam dança tradicional durante vigília pela devolução de um manto sagrado que estava no Museu Nacional da Dinamarca, no parque Quinta de Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 2024
PABLO PORCIUNCULA
Membros do povo tupinambá realizam dança tradicional durante vigília pela devolução de um manto sagrado que estava no Museu Nacional da Dinamarca, no parque Quinta de Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 2024
Pablo PORCIUNCULA

Pipas repletas de ervas medicinais, maracas e tambores ambientam as últimas horas de uma espera de mais de 300 anos: o povo tupinambá celebra o retorno de um raro e sagrado manto de penas vermelhas que lhes foi arrebatado durante a colônia portuguesa.

A exuberante peça, que estava no Museu Nacional da Dinamarca desde 1689, será apresentada oficialmente no Rio de Janeiro na quinta-feira (12), em uma cerimônia à qual comparecerá o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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O governo classifica sua devolução como "restituição histórica" e adianta negociações para recuperar outros objetos indígenas que estão em museus da França, Japão e outros países.

Confeccionado com penas vermelhas da ave guará sobre uma base de algodão de quase 1,80 metros de comprimento, o manto voltou ao Rio no início de julho e encontra-se na biblioteca do Museu Nacional.

Alguns indígenas já estiveram diante dessa peça cerimonial confeccionada em meados do século XVI, segundo estimativas oficiais.

Ao vê-lo, senti "tristeza e alegria (...) Um misto de nascendo e morrendo. É algo que só quando você se utiliza da cosmopercepção, todos seus sentidos, dá para externar esse momento", diz à AFP Yakuy Tupinambá, acampada junto a cerca de 200 tupinambás no parque Quinta da Boa Vista, onde está localizado o museu, que sofreu um grande incêndio em 2018.

Os europeus colocaram o manto "no museu como se fosse um zoológico, para seus estudiosos da arte". Mas "só esse povo [tupinambá] se comunica e dialoga com esse símbolo", explica Yakuy, com um cocar de penas e uma saia de fibras naturais.

Aos 64 anos, ela percorreu mais de 1.200 quilômetros de ônibus desde o município de Olivença, na Bahia, para assistir ao evento.

Enquanto isso, neste parque que outrora foi residência dos reis de Portugal, os tupinambás realizam uma "vigília" com música e cânticos.

Mais que um símbolo

A devolução do manto, cujo modo de saída do Brasil é desconhecido, obedece às negociações diplomáticas do governo Lula, alinhado ao movimento indígena.

No entanto, os indígenas ainda esperam que o Executivo se "sensibilize" diante de suas reivindicações territoriais, uma questão pendente para o governo.

O manto "é nosso pai, nossa mãe (...) Os mais velhos nativos diziam que quando o manto foi levado nossa aldeia ficou um pouco sem rumo", explica o cacique Sussu Arana Morubyxada Tupinambá.

"Com o retorno desse manto, a aldeia agora vai ter mais um sentido: a demarcação do território pelo Estado brasileiro", acrescenta o líder indígena, que ostenta pinturas em grande parte do corpo.

Os tupinambás reivindicam a demarcação de mais de 47 mil hectares onde vivem cerca de 8 mil famílias que dependem da pesca e da agricultura. Eles garantem que o território está sendo devastado pelo "agronegócio" e pela "mineração".

"Muitas dessas situações vão deixar de acontecer quando o governo demarcar nosso território", afirma o cacique Arana.

Em julho, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou que a delimitação dos territórios indígenas está "estagnada", apesar da "expectativa" despertada pelo retorno da esquerda ao poder, após um mandato "anti-indigenista" de Jair Bolsonaro (2019-2022).

Apesar de ser uma promessa de governo, apenas um punhado de territórios foi reconhecido desde que Lula iniciou seu terceiro mandato em janeiro de 2023.

Basta!

Arana denuncia o crescente desmatamento em suas terras por conta de grandes agricultores que destroem florestas para plantar monoculturas, em um país que é uma potência agrícola.

Ele também afirma que várias empresas mineradoras estão de olho na floresta que cerca Olivença, pois sob o solo há lítio, níquel e silício, minerais indispensáveis para a fabricação de computadores e telefones.

A cerimônia de quinta-feira terá como pano de fundo a imensa nuvem de fumaça que envolve várias cidades do Brasil.

A pior seca da história do país provocou milhares de incêndios na Amazônia e os estragos são sentidos até mesmo em países vizinhos como Uruguai e Argentina, onde a fumaça se aproxima. Segundo especialistas, isso está associado às mudanças climáticas.

"O retorno do manto significa, não só para o povo Tupinambá, mas para o povo brasileiro, um basta na devastação da Amazônia, da Mata Atlântica, do manguezal também", afirma o cacique Arana.

"Basta!", exclama o indígena.

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