
Estudantes de faculdades particulares com alta renda em Indaiatuba (SP) receberam, entre 2023 e 2025, cerca de R$ 513 mil em bolsas da prefeitura destinadas a alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. As informações são do Fantástico.
O benefício faz parte do programa municipal Passe Bolsa, criado há cerca de 20 anos, que prevê o reembolso de mensalidades para estudantes de baixa renda matriculados em cursos superiores ou técnicos.
Após a descoberta das irregularidades, a prefeitura demitiu a servidora responsável pela análise das concessões e notificou os beneficiários irregulares a devolver os valores.
A lei que institui o Passe Bolsa estabelece que o reembolso só pode ser concedido a estudantes com comprovação de necessidade financeira, excluindo casos de segunda graduação ou pós-graduação. Ainda assim, ao menos 25 alunos que não se enquadrariam nas exigências legais teriam recebido o auxílio, conforme a apuração do Fantástico.
Casos apurados
Uma das beneficiárias é Ísis Furlan, formada em administração e atualmente estudante de medicina. Nas redes sociais, ela exibe registros de viagens ao exterior, incluindo um estágio no Japão, e atua em uma clínica de estética de alto padrão.
Quando questionado pela equipe do Fantástico, o pai de Ísis defendeu o recebimento da bolsa. “Desde quando só pessoas vulneráveis têm direito a alguma bolsa?”, comentou o pai da estudante.
Em mensagem ao programa, Ísis afirmou que “ não tem nada a esconder ” e que é “ apenas uma estudante que fez inscrição ”.
“ Se a prefeitura não ajudasse ela a pagar a faculdade de medicina, ela conseguiria estudar? Ah, ela conseguiria mesmo assim. Então você começa a fazer qual é o conceito de vulnerabilidade ”, comentou um promotor ouvido pela reportagem
O reembolso concedido a Ísis somou R$ 55 mil.
Outra beneficiária é Samya Arthuzo, também estudante de medicina, que recebeu R$ 33 mil entre 2024 e 2025. A jovem mora em um condomínio onde as casas são avaliadas entre R$ 5 milhões e R$ 7 milhões, e sua mãe é procuradora no município de Salto (SP), com salário mensal de R$ 41 mil.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, Samya comentou sobre um estágio que realizou em Orlando, nos Estados Unidos. “ Eu achei que eu ia gastar muito e, enfim, na realidade, como eu consegui ficar na casa dos meus padrinhos, eu não estou gastando com quase nada ”, comenta a estudante.
Os pais de Samya afirmaram em nota que, no momento da inscrição, “ não havia indicação de que o benefício estivesse restrito a pessoas carentes ”, segundo o Fantástico. A legislação municipal, de 2005, no entanto, define que o auxílio é destinado exclusivamente a famílias que comprovem carência financeira .
A estudante Luana Scallet, aprovada para receber o benefício em 2025, também cursa medicina e vive em um condomínio fechado. Seus pais são donos de uma das principais imobiliárias da cidade. Ela recebeu R$ 10.145 (aproximadamente US$ 1,800) em reembolsos durante os primeiros meses de 2025, mesmo registrando viagens recentes à Argentina, Uruguai e Itália.
Em nota, a família informou que a bolsa foi concedida “ seguindo rigorosamente todos os critérios e requisitos ”, segundo o Fantástico.
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Investigação e providências
O prefeito Custódio Tavares Dias Neto (MDB) declarou ao Ministério Público que está realizando um levantamento para identificar pagamentos indevidos e que os estudantes cadastrados em 2025 “ estão dentro das regras ”. O Fantástico, porém, teve acesso a fichas de inscrição que indicam o contrário.
O secretário de Negócios Jurídicos, Tiago, disse ao programa que a administração ainda apura se houve erro da servidora ou “ má prestação de informações por parte do beneficiário ”.
Em nota, a Prefeitura de Indaiatuba informou que “ em 2024 identificou inconsistências no programa Passe Bolsa ”, resultando na demissão da servidora responsável e na notificação dos alunos para devolução dos valores.
Segundo documentos da prefeitura e do Ministério Público obtidos pelo Fantástico, 170 estudantes receberam recursos do Passe Bolsa entre 2023 e julho de 2025, totalizando R$ 967 mil. Mais da metade do montante foi destinada aos 25 alunos com indícios de irregularidade.