Extradição e visto: casos em que a reciprocidade também se aplica

Aplicação do conceito de troca equilibrada entre países vai além do âmbito das relações comerciais

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Foto: Reciprocidade: conceito que reinvindica que um país estabeleça o mesmo tratamento jurídico que lhe é dispensado por um país estrangeiro
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Por conta do tarifaço que impôs uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos e das tentativas sem sucesso de negociações com o governo de Donald Trump, muito se fala atualmente sobre a Lei da Reciprocidade no âmbito das relações comerciais.

Mas a legislação é ampla e pode ser aplicada em diversas outras situações, visando a troca equilibrada de ações ou tratamentos entre países.

Em entrevista ao Portal iG, o advogado Ricardo Inglez de Souza, professor de Direito na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), com atuação especializada em Comércio Internacional e Direito Econômico, disse que o Brasil sempre foi muito rigoroso na aplicação da reciprocidade.

No contexto atual, com a postura mais rígida e agressiva dos Estados Unidos, Souza afirma que o Brasil tratou de gerar legislação interna para criar mecanismos que tivessem  base legal, para aplicar medidas que pudessem compensar os efeitos do tarifaço.

"Nesse sentido, foi aprovada a Lei 15122, que ficou conhecida como a Lei da Reciprocidade Econômica. Embora seja uma lei abrangente, ela veio com o claro propósito de municiar o governo federal com ferramentas mais agudas para reagir à abordagem norte-americana" , avalia.
Acordos internacionais e a reciprocidade

Quando questionado sobre a aplicação da reciprocidade para além das relação comerciais e econômicas, Souza aponta os acordos internacionais, como o acordo climático ou o acordo de formação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Todos esses acordos internacionais têm como base o princípio da reciprocidade. Os países acabam flexibilizando um pouco da sua soberania em benefício de uma vida dentro da comunidade internacional mais justa e mais harmônica. Então, não deixa de ser uma reciprocidade as decisões da OMC" , contextualiza.

Extradições

A extradição é outro exemplo em que o Brasil aplica a reciprocidade de uma forma muito rigorosa, segundo o advogado.

"Os acordos de extradição são baseados na reciprocidade. Claro que tem outras questões que, no caso, vão estar interferindo de alguma forma. Mas o Brasil assina acordos de reciprocidade para a extradição de presos, quando as penalidades dos outros países respeitam certos critérios. Quando não respeitam, o Brasil não vai assinar o acordo", ressalta.

Vistos

A questão dos vistos de turismo, de trabalho ou de residência é outro exemplo mencionado por Souza e em que se aplica a reciprocidade entre os países.

Ele destaca que, nesta questão, o Brasil também é minucioso na aplicação da reciprocidade.

No passado, inclusive, o advogado conta que o Brasil obrigava os norte-americanos a preencher um formulário com as mesmas perguntas que eram feitas para os brasileiros, quando preenchiam formulários para ir para os Estados Unidos.

"Perguntas, às vezes, até de certa forma incômodas. Como se você faz parte de uma organização de terrorismo, se você já fabricou uma bomba.  Essas perguntas que normalmente se encontram na política de imigração norte-americana, que não são necessariamente as que são aplicadas em todos os países, o Brasil, no passado, colocava isso no próprio questionário dele", destaca.

Com o tempo, diz ele, houve uma certa flexibilização, porque a reciprocidade aplicada de uma forma muito contundente, neste caso, não era positiva para o Brasil.

"O Brasil acabava perdendo, no que diz respeito ao turismo", aponta.

Mesmo tratamento jurídico

Fernando Bentes, doutor em Direito Constitucional da PUC do Rio de Janeiro e Diretor do Instituto de Direito Real, também comentou algumas aplicações da reciprocidade entre os países e reforçou que é muito comum o uso da reciprocidade em matéria internacional.

Ele define a reciprocidade como um conceito que reinvindica que um país estabeleça o mesmo tratamento jurídico que lhe é dispensado por um país estrangeiro.

"O Brasil pode extraditar um criminoso condenado em outro país, caso a sanção estrangeira seja compatível às penas utilizadas no Brasil e se houver reciprocidade, firmada em um tratado internacional", exemplifica.

Formação superior

Ainda segundo Bentes, a reciprocidade pode atingir até a formação superior, no caso de um país não aceitar profissionais de uma determinada atividade, por conta da sua formação.

"Mas é um processo mais dificultoso, porque cada estado estabelece regras muito específicas para a formação superior, incluindo a carga horária, matérias abordadas ao longo do curso, dentre outras questões",  pondera

Geralmente, diz o especialista, os países permanecem com suas regras próprias e fazem um protocolo de adaptações para que um curso possa ser reconhecido.

"Pode ser um complemento da formação ou até obrigatoriedade de uma pós-graduação", acrescenta.

A reciprocidade nos negócios

Bentes detalhou a Lei 15.122/2025, resposta do Governo Federal ao tarifaço de Trump, que cria uma espécie de reciprocidade tarifária em casos de aumento de impostos estrangeiros sobre exportações brasileiras.


Com iniciativa da Presidência da República e aprovada rapidamente no Congresso Nacional , diz ele, a lei prevê uma série de contramedidas para imposição de tarifas altas de países ou blocos de países, de forma unilateral e em descompasso com as regras comerciais internacionais.

No entanto, enfatiza Bentes, são medidas que devem ser precedidas de negociação diplomática , oitiva das partes interessadas, interlocução com setores econômicos, tudo para garantir que estas contramedidas sejam adotadas em último caso e com uma acurácia para sanear situações de desequilíbrio tarifário irrazoável.

"Obviamente, a maior contramedida adotada seria o aumento de tarifas para o mesmo país ou bloco econômico de estados que imponham percentuais anormais e não fundamentados ao Brasil", finaliza.