Ceperj recebeu cerca de R$ 200 milhões em privatização da Cedae

Dinheiro da venda da companhia irrigou folha de pagamentos secreta

No olho do furacão provocado pelas investigações sobre uma folha secreta de funcionários, a Fundação Ceperj fez cerca de 43% de todos os seus pagamentos em 2022 com dinheiro obtido pelo governo com o leilão da Cedae. Segundo dados da Transparência estadual, em consulta realizada ontem, dos R$ 449 milhões desembolsados pelo órgão este ano, R$ 192,8 milhões jorraram da fonte de recursos 145, relativa à concessão dos serviços de saneamento.

No fatiamento das verbas oriundas da privatização, no entanto, as secretarias de Saúde e de Educação não receberam um centavo, e a pasta de Transportes autorizou empenhos de apenas R$ 384 mil. Por outro lado, uma análise minuciosa das iniciativas do Ceperj que consumiram altas cifras da Cedae leva até o projeto que nunca ofereceu efetivamente serviços à população.

Uma planilha da execução das despesas da fundação de janeiro a junho deste ano, repassada ao GLOBO pelo deputado estadual Luiz Paulo (PSD), revela o destino de cerca de R$ 130 milhões dos R$ 192,8 milhões pagos com recursos da concessão da companhia. Desse valor, a maior parte (R$ 39,4 milhões) ficou para o projeto Esporte, um Direito de Todos, que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já identificou como um credor genérico, ao qual o Ceperj realiza pagamentos do Esporte Presente.

O Observatório do Pacto RJ e o Cultura Para Todos — ações na mira do Ministério Público — também figuram entre os projetos que receberam parte da verba, assim como ONGs e empresas de informática.

Um outra análise, feita pela equipe da deputada estadual Martha Rocha (PDT), indica que secretarias comandadas por aliados do governador Cláudio Castro, como as pastas de Governo e Defesa do Consumidor, repassaram R$ 69,9 milhões de dinheiro da Cedae para projetos sob o guarda-chuva do Ceperj.


Despesas realizadas pela fundação — Foto: Editoria de Arte
Comandada até maio pelo deputado Rodrigo Bacellar (PL), um dos homens fortes de Cláudio Castro, a Secretaria de Governo inundou os cofres do Ceperj com R$ 64,8 milhões até julho, segundo o discriminatório das despesas, na “manutenção de Atividades Administrativas do Ceperj” e no projeto RJ para Todos (com serviços ligados à população em situação de rua e em vulnerabilidade social).

Outros R$ 5 milhões da Cedae foram parar no Ceperj graças a repasses feitos pela Secretaria de Defesa do Consumidor. Criada por Castro para abrigar aliados, a pasta foi comandada até maio pelo deputado licenciado Léo Vieira. Desde então, seu titular é o vereador Rogério Amorim, irmão do deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB).

Valores de Cestas Básicas

Rodrigo Amorim diz não ter ingerência nos assuntos do Poder Executivo. Já seu irmão informa não ter conhecimento de tal repasse ter ocorrido em sua gestão. Vem do ex-secretário Léo Vieira a explicação: “Nos meses de março e abril, os colaboradores contratados pelo órgão foram capacitados e promoveram pesquisas de valores de cestas básicas, além de terem feito o levantamento em todo o estado de onde poderiam ser implementadas as Casas do Consumidor”, diz em nota.

À família Amorim é creditado o controle dessas Casas do Consumidor, que vêm a ser um caso à parte nesse rol de gastos. Em comunicados feitos na época do lançamento do projeto, em 31 de março deste ano, o governo prometeu que o programa, uma parceria do Ceperj com o Procon, contaria com 15 pontos fixos e 15 itinerantes, para “ser um canal direto entre consumidores, produtores e prestadores de serviços, com o objetivo de proteger as relações de consumo do cidadão fluminense”.

Questionado, o próprio Ceperj afirma que as casas ainda não estão em funcionamento. “O governo determinou uma auditoria no programa e todos os contratos foram suspensos em abril”, afirma a fundação. Até junho, no entanto, os pagamentos com recursos da Cedae para cobri-lo já alcançavam R$ 4,2 milhões, revela a planilha de execução de despesas.

"Enquanto isso, como secretário, no dia 14 de julho, Rogério Amorim enviou ofício ao presidente do Procon-RJ, Cássio Coelho, solicitando que os servidores da Casa do Consumidor" — naquele momento já suspensa — fossem “lotados” na sede do órgão “no intuito de auxiliar e intermediar fluxos de informações das demais casas dos consumidores e itinerantes com o Procon Estadual”.

A equipe do GLOBO foi, então, à sede do Procon no Rio, na Avenida Rio Branco, no centro da cidade, em busca desses funcionários e de detalhes desse trabalho. Mas, por volta das 15h40 de ontem, nenhum servidor do órgão tinha informações sobre a iniciativa. Na recepção, um funcionário chegou a orientar que a reportagem procurasse na internet o que precisava.

O Ceperj, porém, diz que a Casa do Consumidor tem 250 servidores, e que a quantidade foi reduzida — eram 650 antes. “Todos receberam capacitação para que o programa possa ser implantado em formato mais dinâmico”, afirma a fundação, ao dizer que a previsão, agora, é que sejam 30 núcleos itinerantes do programa.

Já sobre o fato de Educação e Saúde não serem o destino de verbas da Cedae, o governo afirma que essas pastas, em maior parte, recebem “recursos oriundos de tributações, para que os índices constitucionais das duas funções sejam cumpridos, como determina a lei”. “A verba da fonte 145 é aplicada pelo governo em projetos de investimentos, sejam eles de infraestrutura, sociais, entre outros”, afirma a nota.

Para o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, André Luiz Marques, contudo, o aporte de verbas do leilão da Cedae em projetos pagos por meio do Ceperj indica o uso eleitoreiro dos recursos e a pouca preocupação com as finanças do estado:

"É de espantar a recorrência de erros como este: receitas extraordinárias, como as do leilão da Cedae, seguem sendo empregadas em gastos ordinários no Rio. A forma de pagamento de pessoal alocado nesses projetos, na boca do caixa, só piora essa relação entre a gestão dos recursos e a transparência governamental, e deixa dúvidas quanto à legalidade. O Rio já sofreu para se adequar ao Regime de Recuperação Fiscal e perde a oportunidade de usar esta verba em obras estruturantes".

A reportagem também procurou Rodrigo Bacellar, mas não obteve resposta.

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