'Seria o fim do mundo se não fossem condenados', diz viúva de Evaldo Rosa

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Luciana dos Santos Nogueira, fala da saudade de Evaldo Rosa, com quem completaria 30 anos de relacionamento, e da tentativa de recomeçar a vida com David Bruno, filho do casal

Foto: Reprodução
Viúva de músico fala sobre os militares serem condenados sobre a morte do marido

Dos 43 anos de vida, a técnica de enfermagem  Luciana dos Santos Nogueira esteve com o músico Evaldo dos Santos Rosa por mais de 27. Vizinhos de rua, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, começaram a namorar ainda na adolescência, montaram um apartamento, foram morar juntos e depois tiveram um filho: David Bruno Nogueira Rosa dos Santos. Na tarde de 7 de abril de 2019, quando os três iam juntos a um chá de bebê, o carro da família foi metralhado em uma ação do Exército , na Vila Militar, na mesma região.

Nesta quarta-feira, dia 13, oito dos militares foram condenados pelo duplo homicídio de Evaldo e do catador de latinhas Luciano Macedo , que estava na rua e foi atingido pelos disparos, e pela tentativa de homicídio contra Sérgio, pai de Luciana, que os acompanhava e ficou ferido. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, a viúva diz estar aliviada.

"Tinha muito medo da impunidade, isso me afligia diariamente, mas o julgamento de ontem tirou um peso da minha cabeça. Acordei com a sensação de dever cumprido. A justiça foi feita para honrar a imagem do meu marido. Eu pensava não ser possível que o certo pagasse pelo errado e Deus ouviu minhas preces. Eu precisava muito dessa resposta. Seria o fim do mundo se não fossem condenados", emocionou-se.

Como foi aquele fim de semana?

No sábado, quando cheguei do trabalho, meu marido, como de costume, foi me buscar no ponto de ônibus. Dormi a tarde, fiz uma escova e deixei meu filho na casa dos meus pais. À noite, fomos a uma casa de shows. Chegamos por volta de 1h da madrugada. Acordamos na manhã do domingo, tomamos café e pedi ao meu marido que me acompanhasse ao chá de bebê de uma amiga, em São João de Meriti. Buscamos o David Bruno, nos arrumamos e fomos para lá. No caminho, quando estávamos devagar e passando em um quebra-mola, tudo aconteceu.

O que a senhora lembra daquele momento?

Nosso carro foi metralhado. Não dava para entender. Eu cheguei a gritar: “Calma, amor, é o Exército, é o quartel”, porque quando os víamos nos sentíamos protegidos. Lembro que o primeiro tiro que deram acertou meu marido e sujou a blusa do meu filho. Nós então paramos, a população veio até nosso carro e, mesmo assim, eles continuaram atirando muito. Saí pedindo por socorro e eles não nos ajudaram.

O que aconteceu a partir de então?

Quando o Corpo de Bombeiros chegou e atestou que meu marido estava morto, eu passei a tentar impedir que eles chegassem e mexessem no carro. Meu medo ali era que eles revertessem a história. E Deus me deu sabedoria para que não deixasse isso acontecer.

Como foram os dias seguintes à tragédia?

Duda foi meu grande amigo, meu companheiro. Depois do ocorrido, que caiu a ficha de que mataram seu amigo, seu companheiro, você fica desnorteada, sem saber como recomeçar. Mas pelo David tive que aprender a recomeçar. Somos sobreviventes, foi um milagre alguém ter saído vivo daquele carro. Tentaram desqualificar meu caráter, dizendo que morávamos em comunidade, como se nesses locais só tivesse pessoas que fazem o mal.

O que mudou na vida de vocês?

Mudamos de casa, o David Bruno mudou de colégio, fazemos acompanhamos psicológico. Comecei a namorar Evaldo muito menina, trabalhamos, compramos nosso primeiro carro, montamos nosso apartamento. Saudades dele vou ter para toda minha vida. Saudades dos dias de domingo, quando acordávamos cedo, íamos à feira comprar peixe e ele tocava cavaquinho e brincava com o filho de andar de bicicleta. Por mais que eu tenha que seguir, vou levar essas lembranças para o resto da minha vida.

Como a senhora avalia o julgamento de ontem?

Perdi meu bem precioso há dois anos. Não é fácil ouvir meu filho dizendo: “Mamãe, tiraram o meu direito de ter um pai velhinho”. Eu tinha muito medo da impunidade, isso me afligia diariamente, mas o julgamento de ontem tirou um peso da minha cabeça. Acordei com a sensação de dever cumprido. A justiça foi feita para honrar a imagem do meu marido. Eu pensava não ser possível que o certo pagasse pelo errado e Deus ouviu minhas preces. Eu precisava muito dessa resposta. Seria o fim do mundo se não fossem condenados.