Discurso anti-islã é usado por aspirantes à presidência dos EUA e Estados consideram leis para proibir consulta a código muçulmano
Em meio aos preparativos para a corrida eleitoral pela Casa Branca em novembro de 2012, grupos minoritários como os muçulmanos vêm servindo de munição política para o oposicionista Partido Republicano e sua facção ultraconservadora, o Tea Party .
Segundo Sherman Jackson, professor de estudos islâmicos da Universidade de Michigan, a atual crise econômica americana dá combustível aos movimentos conservadores nos EUA, que tendem a criticar e oprimir as minorias, incluindo os muçulmanos. “Desde o 11 de Setembro de 2001, os 2 milhões de muçulmanos americanos ficaram mais em destaque, mas, nos últimos dois anos, com o crescimento do Tea Party, a islamofobia passou a ser um tema popular, fazendo parte de discursos políticos e até de leis”, disse ao iG .
Desde 2010, pelo menos 24 governos estaduais dos EUA discutiram e consideraram elaborar legislações que proíbam os juízes de consultar ou considerar a sharia - código de leis muçulmanas. Pelo menos dois Estados, Oklahoma e Tennessee, aprovaram medidas constitucionais para banir o uso das regras islâmicas nos tribunais americanos. “Quem vê de fora imagina que esse seja verdadeiramente um risco presente no cotidiano dos EUA”, ironizou Jackson. “Claro que não é. A influência muçulmana nas leis ou tribunais americanas é praticamente zero”, afirmou.
O presidente do Conselho Muçulmano de Relações Públicas, uma organização não-governamental com base em Washington, Salam Al-Marayati, é ainda mais crítico. “Isso tudo faz parte de uma política exagerada que pretende criar medo e histeria. Obviamente não existe o menor risco de a sharia tomar conta dos EUA”, declarou.
De acordo com o jornal New York Times, quatro fatores iniciaram a campanha anti-sharia nos EUA: a polêmica do ano passado contra a abertura de uma nova mesquita ao sul de Manhattan , perto do Marco Zero (local onde ficavam as Torres Gêmeas); o medo do aumento do terrorismo organizado por muçulmanos nascidos e educados no país; e o crescimento do Tea Party. O quarto elemento seria um advogado judeu ortodoxo que vive no Brooklyn, chamado David Yerushalmi.
Yerushalmi, que raramente dá entrevistas, financiou pesquisas confirmando o crescimento da sharia nos EUA, processou o governo de diversos Estados americanos contra decisões que ele afirma terem como base a lei islâmica e redigiu o esboço das leis anti-sharia aprovadas em Oklahoma e Tennessee. Ele também convenceu uma série de organizações conservadoras a apoiar a sua tese e a campanha.
Pelo menos duas organizações nos EUA, porém, o criticam fortemente. A Liga Judaica Antidifamação, que luta contra o antissemitismo, o extremismo e o preconceito, considera Yerushalmi um “líder islamofóbico, racista e perigoso”. E a People for the American Way, que tem uma página especial contra o extremismo de direita, enquadra o advogado como “arquiteto de uma campanha racista que ganha força e se configura como risco para os EUA”. Essa organização cita as oito estratégias dos conservadores para aumentar a islamofobia nos EUA:
1) incitar medo em discursos públicos em relação aos islâmicos;
2) distorcer estatísticas e pesquisas para comprovar o risco criado por muçulmanos;
3) inventar que existe risco de a sharia tomar conta dos tribunais americanos;
4) defender a liberdade, exercendo exatamente o contrário: tirando liberdade dos muçulmanos;
5) dizer que o islamismo não é uma religião, mas uma forma de organização que quer dominar o mundo;
6) tirar direitos dos muçulmanos (por exemplo, o direito de expressão, direito de rezar e exercer sua religião livremente, direito de abrir uma mesquita etc.);
7) ligar temas anti-islâmicos com a retórica anti-Obama;
8) afirmar que existem ligações entre islâmicos e organizações perigosas, como a máfia e terroristas.
O risco prático de uma campanha como essa, segundo o professor da Universidade de Michigan, é influenciar radicais que acabam agindo contra pessoas ou toda uma comunidade simplesmente por vê-la de forma distorcida. “É muito fácil criar o incêndio, e muito difícil apagá-lo depois.”
Crescimento da islamofobia
Estatísticas confirmam que a islamofobia cresce nos EUA. De acordo com um estudo realizado no início deste ano pelo Pew Forum, um dos institutos de pesquisas mais respeitados do país, 38% dos americanos têm uma opinião negativa sobre o islã e os islâmicos, enquanto apenas 30% expressam uma visão favorável à religião (os restantes 32% não têm uma opinião formada sobre o assunto).
Um exemplo prático da influência negativa da islamofobia é o fundamentalista cristão Anders Behring Breivik , que deixou 77 mortos em 22 de julho na Noruega com a justificativa de que é contrário ao multiculturalismo e à imigração muçulmana na Europa. Antes do massacre, ele publicou um manifesto de 1,5 mil páginas , no qual, entre outros temas, elogiou diversos conservadores e islamofóbicos americanos.
Entre essas influências americanas, está Pamela Geller, uma blogueira e comentarista de Nova York, que também é cliente de Yerushalmi. Geller, porém, não assume nenhuma responsabilidade em relação ao assassino norueguês. “Toda essa discussão é ridícula. Breivik é responsável por suas ações. Se qualquer pessoa o incitou à violência, foram os islâmicos supremacistas, não eu. Se alguma coisa o incomodou, foi o relacionamento entre a Europa e o Oriente Médio, não os EUA”, escreveu ao iG .
A islamofobia nasceu e tradicionalmente sempre foi mais forte nos países europeus, como a França, a Alemanha e Reino Unido. A aversão ao islã nesses países sempre foi ligada à economia, não necessariamente à religião. “Ela é mais relacionada à questão de tentar evitar que os empregos locais parem nas mãos dos estrangeiros, que são em grande parte islâmicos”, disse o sociólogo Hérmes Dupuis, da Universidade London. “Nos EUA, a islamofobia começou a ser mais representativa após o 11 de Setembro, e vem carregada de medo, de terror, de pânico”, comparou.
De acordo com o professor Jackson, porém, a crise econômica, juntamente com os dez anos do 11 de Setembro e os discursos políticos que antecedem as eleições de 2012, podem ser uma combinação explosiva contra o islamismo em um país que tradicionalmente sempre lutou exatamente pelo contrário, a liberdade.