Mario Frias
Roberto Castro/ Mtur
Mario Frias

Após seis meses de espera, a Secretaria Especial da Cultura finalmente publicou, no dia 1º de outubro, o edital para a nova composição da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), o colegiado formado por representantes da sociedade civil responsável por avaliar, em reuniões mensais, projetos para a obtenção de incentivo fiscal via Lei Rouanet .

Em 22 de abril, 17 dos 21 integrantes da antiga comissão, cujo mandato bienal havia chegado oficialmente ao fim no mês anterior, enviaram uma carta ao secretário especial da Cultura, Mario Frias, pedindo que o edital para selecionar os novos membros para a composição do biênio 2021/2022 fosse "lançado o mais rápido possível". Desde então, todas as decisões sobre os projetos inscritos na Rouanet ficaram concentrados no secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula , que passou a aprová-los (ou não) ad referendum, isto é, sem a participação do colegiado.

Pelo cronograma divulgado, o resultado da seleção será publicado no Diário Oficial da União no dia 4 de dezembro, o que na prática inviabiliza a primeira reunião do novo colegiado ainda este ano — o próprio edital já trata o biênio em questão como 2022/2023.

Outra complicação do edital é relativa à mudança nas diretrizes da política de fomento cultural, com a publicação, em julho, do novo texto que regulamenta a Rouanet . Dentre  as principais mudanças, a CNIC passou a ser uma "instância recursal consultiva", ou seja, ela só apreciará recursos de projetos negados, e, ainda assim, estará submetida à palavra final do secretário da Cultura ou do secretário de Fomento e Incentivo. Ainda que nunca tenha tido oficialmente um caráter deliberativo, a CNIC sempre foi vista como o último passo para a aprovação de projetos, antes da homologação e publicação no Diário Oficial, até pelo poder de reconsiderar análises prévias de pareceristas de entidades vinculadas à Secretaria.

Também será a primeira vez que a formação da CNIC seguirá as novas divisões por áreas culturais definidas pelo decreto que alterou a Rouanet. Antes, os conselheiros eram divididos em seis áreas (audiovisual; artes cênicas; artes visuais; humanidades; música; e patrimônio cultural e museus e memória). Agora, são sete áreas (arte contemporânea; arte integrada; arte sacra; belas artes; audiovisual; patrimônio material e imaterial; e museus e memória) relacionadas a outros 35 segmentos culturais, que vão de canto e coral erudito à feira de negócios culturais.

Para um integrante da formação da CNIC anterior, que está entre os signatários da carta a Mario Frias, as novas regras deturpam o papel da comissão, que passaria a ter uma atuação meramente decorativa, já que mesmo as decisões sobre os recursos teriam de ser endossadas por autoridades da Secretaria, tirando da sociedade civil sua participação nas decisões sobre o incentivo fiscal na cultura.

Sob condição de anonimato, a fonte conta que em grupos virtuais de produtores culturais há um intenso debate sobre participar ou não da nova CNIC: "Há um grupo defendendo que ninguém se inscreva, já que, na prática, todas as decisões continuarão com a caneta do Frias e do Porciuncula. Também tem quem ache importante ocupar este espaço e não deixar a comissão entregue a um bando de malucos ligados à Secretaria, com uma visão deturpada do que é a Rouanet ".

Nesta segunda (4), Porciuncula reagiu a uma postagem da deputada federal Áurea Carolina (Psol-MG), integrante da Comissão de Cultura da Câmara, afirmando que, "depois de muita pressão", a secretaria irá recompor a CNIC. "Não teve pressão nenhuma. A comissão tem previsão legal, não poderia deixar de existir. Ela é meramente consultiva, e serve apenas para dar uma opinião que pode ser acatada ou não pela secretaria", escreveu o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura.


Não é a primeira vez que problemas na composição da CNIC prejudicaram produtores durante o governo Bolsonaro. Em 2019, o colegiado foi anunciado em março, e fez a primeira reunião somente no dia 22 do mesmo mês, enquanto as produções aguardavam o acesso a recursos já captados em 2018 e até então retidos. Na época, a Cultura ainda estava vinculada ao Ministério da Cidadania, antes de ser transferida para o Turismo. Advogada especializada no mercado cultural, Cristiane Olivieri acredita que a volta da CNIC pode dar aos produtores alguma previsibilidade sobre a situação dos projetos, devido à periodicidade das reuniões.

"Sempre é melhor ter a participação da sociedade civil na destinação dos incentivos fiscais, ainda que no passado a pasta respeitasse mais o caráter de especialistas da comissão, que, no fim das contas, presta uma assessoria não remunerada ao governo", observa a advogada. "Com a volta das reuniões mensais, os produtores poderão ao menos saber em que pé seu projeto está, o processo fica mais transparente".

A reportagem perguntou à Secretaria Especial da Cultura se Porciuncula seguirá concentrando a aprovação dos projetos até a primeira reunião da nova formação da CNIC, mas não obteve resposta até a publicação.

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