Texto das ONGs apresenta fortes críticas à atuação do país nos fóruns internacionais.
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Texto das ONGs apresenta fortes críticas à atuação do país nos fóruns internacionais.

Um grupo de quase 200 entidades brasileiras da sociedade civil lançou nesta terça-feira um manifesto se colocando contra a candidatura do Brasil à reeleição no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O texto apresenta fortes críticas à atuação do país nos fóruns internacionais, com ações que, para os signatários, “afrontam a tradição brasileira acumulada há décadas nas relações multilaterais e que sempre caminharam na defesa do universalismo dos direitos humanos.”

O manifesto afirma que as ações do Brasil colocam dúvidas sobre a viabilidade de sua candidatura a mais um mandato, dizendo que elas “geram retrocessos na efetivação dos direitos”, acusando o governo de ser “antiuniversalista” e de “glorificar atrocidades”.

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O documento cita casos como os ataques do presidente Jair Bolsonaro à alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e os elogios de integrantes do governo ao golpe militar de 1964 e à ditadura.

"Um governo que atua com sérias reservas, que promove ações que geram retrocessos na efetivação dos direitos e que seja antiuniversalista não pode querer que a comunidade internacional acredite que tem efetiva disposição para se comprometer com a realização progressiva, universal, interdependente e indivisível de todos os direitos humanos para todas e todos", diz o manifesto.

Ação sem precedente

Para Camila Asano , coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, organização que assinou o manifesto, essa ação conjunta é inédita na história do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

"Essa ação não tem precedente na história do Conselho de Direitos Humanos, até porque essa postura do Brasil, seja de um ataque frontal e coordenado contra os direitos humanos e de uma ação tão nociva do Brasil em Genebra, não tem precedente. Esse é um momento muito particular que estamos vivendo".

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Para Rogério Sottili , diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, o manifesto é um recado especialmente ao governo brasileiro.

"Essa aderência sem precedentes é um recado para as organizações e movimentos brasileiros, e nos diz “não arrefeçam, vocês não estão sozinhos”. Mas é também um forte recado ao governo brasileiro. O governo que não tiver como princípios norteadores de sua atuação valores básicos de direitos humanos e não será aceito nesses espaços."

O texto ainda ataca visões de autoridades sobre questões de gênero e indígenas e ameaças sofridas por nomes de oposição, citando o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) . Por fim, considera que  “o Estado brasileiro não reúne as condições mínimas para pleitear a renovação da sua candidatura ao Conselho de Direitos Humanos considerando os parâmetros da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas”.

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Entre os signatários aparecem organizações de defesa de refugiados, como a Conectas, grupos ligados à Igreja Católica, como a Comissão Pastoral da Terra, associações de defesa dos direitos da população LGBT, dos povos indígenas e de vítimas de desastres, como a Movimento dos Atingidos por Barragens, representantes do movimento negro e centrais sindicais. Além das entidades brasileiras, cerca de 40 grupos baseados no exterior assinam o documento. Alguns desses grupos têm visões contrárias sobre temas como a situação dos direitos humanos na Venezuela e em Cuba, mas concordam sobre os pontos relacionados ao Brasil.

Para Isolete Wichineski , coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra, a expectativa é de que os protestos recebam o apoio de outras nações.

"A gente espera que os países possam se solidarizar, especialmente aqueles que tenham na sua pauta os direitos humanos, para que possam se solidarizar com o povo brasileiro e que se posicionem frente às ações do governo do Brasil."

Três candidatos, duas vagas

O Conselho de Direitos Humanos da ONU é formado por 47 países , eleitos para mandatos de três anos, com eleições divididas regionalmente. Em busca da reeleição, o Brasil é um dos três candidatos para duas vagas em disputa para a América Latina e Caribe. Até semana passada, apenas Brasil e Venezuela estavam na disputa, praticamente garantindo a eleição. Mas o cálculo se complicou com a candidatura da Costa Rica . Para Camila Asano, esse já pode ser um sinal da pressão internacional.

"[Um impacto] é a Costa Rica ter se apresentado como candidata. Uma das ações da Conectas tinha sido de criticar a prática dos países da América Latina e Caribe de apresentarem 2 candidatos para 2 vagas, isso na ONU é chamado de “ clean slate ”, uma prática pouco democrática que acaba inibindo a competitividade das eleições. A Costa Rica surgiu como candidata e talvez outros países se apresentem, uma vez que até o dia da eleição, no dia 16 de outubro, isso é possível."

Em nota, o Itamaraty afirmou que "o governo brasileiro tem compromisso concreto com a defesa dos direitos humanos, tanto no plano interno quanto externo", garantindo agir de acordo com a Constituição e com as "propostas referendadas pelo povo brasileiro nas eleições de 2018". A nota ainda considera que a "campanha contrária à eleição brasileira não encontra respaldo no histórico de pluralidade do Conselho de Direitos Humanos", e diz que ela é uma "campanha politizada, patrocinada por grupos que não manifestam o mesmo grau de ativismo contra o pleito de ditaduras sanguinárias em nosso continente".

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