Do outro lado da urna: a ação política feminina 87 anos após o direito ao voto

No Dia Internacional da Mulher e durante um ano eleitoral brasileiro, como pode ser definida a participação e atuação política das mulheres no País?

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Em 1930 foi instituído o voto feminino, e com ele, o direito das mulheres se tornarem candidatas a cargos políticos


O voto feminino foi instituído no Brasil dia 3 de novembro de 1930, há 87 anos, data hoje comemorada como o Dia da Instituição do Direito de Voto da Mulher. Por mais que o exercício do direito só tenha se consolidado em 1932, quando o projeto de lei foi sancionado, o episódio foi um marco importante para a trajetória democrática feminina no País, que, é claro, começou muito antes da década de 30.

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Segundo Débora Françolin, pesquisadora na área de democracia e desigualdades e mestranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), alguns registros apontam para reivindicações acerca dos direitos eleitorais da mulheres ainda no século 19. Em 1891, por exemplo, o projeto da primeira Constituição do sistema republicano continha uma emenda que garantia o voto feminino . Porém, ela foi rejeitada.

Durante os quase 40 anos que separaram a primeira movimentação para o direito ao voto e novembro de 1930, a História do Brasil foi marcada por uma intensa mobilização das brasileiras. Em 1910, o primeiro partido de mulheres – Partido Republicano Feminino – foi criado e presidido por Leolinda Daltro. Bertha Lutz, por sua vez, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino em 1922.

Atualmente, segundo dados do Tribunal de Justiça Eleitoral (TSE) divulgados no ano passado, as mulheres já representam a maior parte do eleitorado em todos os estados brasileiros: o número de eleitoras ultrapassa em 6,4 milhões a quantidade de eleitores homens. Mas a política não pode ser resumida ao exercício do voto. Sendo assim, como é a atuação das mulheres como candidatas e eleitas?

Do outro lado da urna

O direito ao voto veio acompanhado do direito a ser votada . Desde 1932, as mulheres podem se candidatar a cargos políticos, porém, sua participação ainda é tímida quando comparada à representação masculina. Nas eleições de 2016, por exemplo, elas representaram quase 32% dos candidatos e apenas 13% do total de eleitos eram mulheres.


A questão é um problema estrutural que pode ser explicado por uma combinação de fatores. O senso machista de que as mulheres não pertencem à classe política, por exemplo, inibe uma presença mais significativa em termos numéricos. Outro aspecto é a estrutura das relações de gênero que sobrecarrega as mulheres: além da carreira profissional, elas ainda são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado dos filhos e dependentes, o que diminui suas possibilidades de conseguir se dedicar à campanha e ao cargo. 

Quando as mulheres superam estes obstáculos e pensam em seguir uma carreira política, ainda há a falta de incentivo da família, como destaca Karina Kufa, professora-coordenadora da especialização em Direito Eleitoral da Faculdade de Direito IDP de São Paulo. Dentro desse fator, está incluído “o machismo por parte do companheiro, que não permite que a esposa saia como candidata por causa da exposição pública do cargo”. Problema ainda complementado pelo baixo interesse partidário em investir em candidaturas femininas.

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O impacto feminista

Nos últimos anos, a agenda feminista tem destacado a questão da participação política da mulher. Cada vez mais, os espaços de debate abordam o tema, e deputadas e vereadoras colocam o assunto em pauta. Contudo, por mais que o avanço das discussões feministas traga efeitos positivos, sua influência ainda não pode ser sentida com muita intensidade. Isso porque, segundo Françolin, as discussões sobre a equidade de direitos entre os gêneros ainda não adentraram o campo jurídico para estabelecer mudanças na legislação.

O impacto na consciência da população é um avanço, porém, a política continua estagnada quando pensamos na participação feminina. “A consciência sem o acesso a oportunidades não traz resultados na prática”, pontua. Por isso, a eficácia das chamadas “cotas de gênero”, criadas em 1995, está sempre presente nas discussões sobre o tema.

As cotas de gênero

Idealizadas com o objetivo de aumentar a participação parlamentar feminina, as cotas estabelecem um número mínimo de candidatura feminina e outras regras a serem seguidas pelos partidos, em termos de propagandas eleitorais e de destinação de verbas.


Segundo Kufa, elas são um importante instrumento tendo em vista que os direitos eleitorais das mulheres foram alcançados há muito pouco tempo. Desta forma, a política foi criada e se estabeleceu como um ambiente masculino, e é preciso que a legislação incentive as mulheres neste movimento participativo.

Por outro lado, Françolin destaca que, se as cotas geraram efeitos positivos em termos de candidaturas – em 2016, por exemplo, o número de candidatas ultrapassou a marca de 30% no Brasil –, os resultados das eleições não acompanham essa melhora: menos da metade das candidatas foram eleitas. “O problema é que elas [as cotas] só valem para o momento do registro das listas de candidatura”, explica.

Assim, a obrigatoriedade de 30% de mulheres em cada partido ou coligação muitas vezes não é cumprida. Afinal, até o momento das eleições, boa parte das candidatas já abandonou o pleito. Como os órgãos julgadores entendem que este fenômeno não é de responsabilidade dos partidos, estes não são punidos e a lei não é cumprida.

Enquanto isso continua a se repetir, o processo cai em um círculo vicioso, no qual a baixa representatividade feminina impacta na forma como as mulheres enxergam suas possibilidades na política. “Hoje em dia uma menina pode pensar em ser presidente porque nós já tivemos uma presidente mulher”, exemplifica Karina Kufa, ao elucidar como as cotas ainda podem influenciar mais meninas ao longo dos próximos anos.

Possíveis soluções

As porcentagens e as estatísticas não são os únicos problemas a serem superados. Ainda hoje, as mulheres não conseguem ter tanta notoriedade qualitativa na política brasileira. A quantidade de senadoras, por exemplo, que se destacam na atividade parlamentar é menor do que o número de homens que conseguem evidência em seus trabalhos.

Resultado de um senso sexista, elas precisam se esforçar mais para ganhar destaque na atividade parlamentar. Por isso, Kufa acredita que a formação política feminina é essencial para que as mulheres não só cheguem em maior número aos cargos políticos, mas que também possam ter garantia de que suas vozes serão escutadas.

“Na nossa sociedade, colocar um terno e gravata em um homem sem conhecimento algum é pressupor competência. Por outro lado, a mulher é obrigada a ter mais conhecimento do que os homens para ser respeitada. A sociedade não aceita uma mulher desqualificada”, defende. 

Para a advogada, um exemplo disso é a ex-presidente Dilma Rousseff,  que sofreu com ataques que "não se repetiriam caso o protagonista da situação fosse um homem", como as críticas em torno de sua aparência física, suas vestimentas e seu modo "autoritária demais" não são usualmente apontados de forma negativa em relação políticos do sexo masculino. 

Mudança nas cotas

Além disso, por mais que as cotas se mostrem ineficientes da forma como são aplicadas atualmente, elas não devem ser descartadas. Mudanças na forma como os incentivos legais são aplicados podem mudar este quadro, como a transformação das leis para cotas de representação .

“Isso significa que, no momento do preenchimento das cadeiras que cada partido conquistou, haveria duas listas de votação nominal, uma de homens e outra de mulheres, sendo eleitos alternadamente até completar o percentual mínimo de preenchimento de vagas do gênero com menos eleitos”, é o que propõem Françolin e Joelson Dias, coautores do artigo “Participação Política das Mulheres no Brasil: das Cotas de Candidatura à Efetiva Paridade na Representação”.

Além de todas as questões legais, é preciso lembrar que o déficit de mulheres na política surge de um problema estrutural: o machismo. Dessa forma, o feminismo se insere com o objetivo de combater a ideia de que a política é feita por homens e transformar a forma como a mulher atua na sociedade. Uma mulher que precisa se dedicar à carreira, ao trabalho doméstico e aos filhos não consegue tempo hábil para se inserir no processo político. 

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Assim como a conquista do voto feminino, a consolidação do papel da mulher na política é um processo lento, que precisa de uma série de incentivos para avançar na sociedade brasileira. Incentivos que mudem a forma como os partidos enxergam as mulheres e a transformação da mentalidade do País, por exemplo, são essenciais para que, nos próximos 87 anos, o desenvolvimento da questão atinja níveis cada vez mais próximos de equidade entre os gêneros.