Resgate aéreo durante o incêndio no edifício Joelma em 1974
Acervo UH/ Folhapress
Resgate aéreo durante o incêndio no edifício Joelma em 1974

Quando acordou na manhã da sexta-feira 01 de fevereiro de 1974, o ex-Sargento PM do COE Augusto Cassaniga não imaginava que a sua vida e as de dezenas de pessoas iriam se ligar no topo do Edifício Joelma.

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"Eu estava de folga naquele dia, ainda era solteiro e morava no quartel do COE . Quando soubemos do incêndio no prédio, nos fardamos e formamos uma pequena patrulha para seguir para o local da ocorrência. Eu, o  Sargento PM Messias, o Cabo PM Santos e o Soldado PM Maciel", lembra Cassaniga, hoje Capitão da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

"Preciso de um voluntário para pular no teto do Joelma"

O Edifício Joelma havia sido inaugurado em 1971 e ficava Avenida 9 de Julho, naquela época era um dos grandes prédios da capital paulista, com 25 andares e quatro elevadores que eram responsáveis por levar e trazer centenas de pessoas diariamente.

"Pegamos uma viatura e enfrentamos um grande trânsito até chegar ao Joelma, existia uma grande aglomeração perto do local do incêndio. Uma das primeiras pessoas que vimos foi um oficial da ROTA, o Tenente PM Santana. Ele tentava organizar as coisas ali do lado de fora e disse para a gente subir no terraço da Câmara Municipal e falar com o Capitão PM Caldas dos Bombeiros. Subimos eu e o Cabo PM Santos", lembra Cassaniga.

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José Francisco Faria Jr./ Folhapress

Escadas de resgate e água para combater o incêndio não chegavam nem até a metade do Joelma

As grandes tragédias são marcadas pelos grandes números de vítimas e também pelos atos de heróis. Assim, como no atentado de 11 de Setembro, voluntários que não estavam trabalhando viraram nomes a serem guardados para a história. Os atos de heroísmo de Cassaniga estavam apenas começando. 

"Quando me apresentei para o Capitão PM Caldas dos Bombeiros, ele falou que precisava de um voluntário para ir para o Joelma em um helicóptero e saltar no topo do prédio. Ele disse que era arriscado que entenderia uma negativa. Não pensei duas vezes e me preparei", diz Cassaniga.

O piloto, comandante da reserva da aeronáutica, seria o parceiro do Policial Militar do COE nessa missão de chegar ao topo do prédio, onde várias vítimas já esperavam desesperadamente por socorro, já que era impossível descer pela única escada e elevadores do Joelma. "O Monteiro pilotava uma aeronave da DERSA e assim como eu, ele estava ali para ajudar. Quando embarquei, ele falou para saltar quando mandasse. Na primeira tentativa, ele passou muito alto. Fiquei no esqui (do lado de fora do helicóptero, de pé sobre a barra de aterrisagem) e não pulei. Na segunda, eu pulei. Foi muito rápido e tive a sorte de não acertar ninguém, a colisão seria fatal para os dois", revela Cassaniga.

"Não me deixe morrer"

Porém, a queda acabou lesionando o PM do COE que sofreu uma contusão nos pés. Ele calcula que tenha saltado de 4 metros de altura. "Senti o pé formigando, mas amarrei bem a bota e segui para a minha missão". Logo que se levantou, o PM foi bombardeado com uma série de perguntas das vitimas presas no topo do prédio: "Por que não jogam água? Vamos morrer? Por que não pousam aqui? Vem só você?", gritavam as vítimas.

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Segundo o então Sargento dos Comandos e Operações Especiais, as pessoas estavam tão desesperadas que algumas chegavam a perder o equilíbrio e caiam do topo do prédio. "Tive que usar da psicologia de massa e gritar mais alto que eles, eu tinha que fazer com que eles ficassem no centro do telhado para evitar novas quedas. No meio disso tudo recebi duas ajudas, uma da pequena garoa que caía no dia e outra de um voluntário que estava sobre o prédio. Esse homem me ajudou a tirar algumas vítimas que estavam em baixo das telhas. Foi um momento complicado, peguei uma mulher nos braços e ela falava algo como "não me deixe morrer". Ela acabou morrendo nos meu colo, essa foi a coisa mais marcante", revela o Capitão PM da reserva Cassaniga.

Repare na corda, colocada por um helicóptero, ligando o Joelma e o prédio vizinho, o São Patrício.. O primeiro a usar essa corda para atravessar o espaço entre os edifício  foi o Capitão PM Caldas dos Bombeiros
Acervo UH/ Folhapress
Repare na corda, colocada por um helicóptero, ligando o Joelma e o prédio vizinho, o São Patrício.. O primeiro a usar essa corda para atravessar o espaço entre os edifício foi o Capitão PM Caldas dos Bombeiros
Tenente PM Lisias, do Comandos e Operações Especiais, COE, que atravessou os 80 metros de distancia, a 100 metros de altura, pela corda que ligava o Joelma ao São Patrício
Divulgação
Tenente PM Lisias, do Comandos e Operações Especiais, COE, que atravessou os 80 metros de distancia, a 100 metros de altura, pela corda que ligava o Joelma ao São Patrício

As esperanças começavam a diminuir enquanto Cassaniga tentava fazer uma triagem das vítimas mais graves, dos que estavam com ferimentos leves e dos mortos. Neste momento, o Policial Militar viu mais um sinal de ajuda. Ele notou a presença de Policiais Militares e Bombeiros no prédio vizinho. As equipes que estavam sobre o edifício São Patrício preparavam uma operação de resgate. Com a ajuda de um helicóptero, eles levaram a ponta de uma corda de aproximadamente oitenta metros de comprimento para que houvesse uma ligação entre os prédios. O primeiro a usar a corda para atravessar o espaço entre os edifícios, balançando a mais de 100 metros de altura, foi o Capitão PM Caldas dos Bombeiros, aquele que havia pedido um voluntário para saltar do helicóptero no teto do Joelma. Dois voluntários da Polícia Militar, um dos Bombeiros, outro do COE se encontram no topo do Joelma.

Reforços por terra e ar

Enquanto tentavam organizar o salvamento no topo do Joelma, Cassaniga e Caldas não imaginavam que um pequeno grupamento do COE iria se formar no local.  O reforço no efetivo viria através de um helicóptero da Força Aérea Brasileira, nele chegaram Tenente PM Nakaharada, Soldado PM Juvenal, Soldado PM Cid Monteiro, todos do COE e o médico civil Dr. Wanderley. Pelas cordas vieram o Cabo PM Santos, Tenente PM Lisias e Soldado PM Ichelli, também do Comandos e Operações Especiais.

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Vítimas chegaram a cair do topo do prédio durante momento de desespero
Divulgação/SP Antiga
Vítimas chegaram a cair do topo do prédio durante momento de desespero

"Com esses PMs, nós começamos a embarcar o pessoal no helicóptero da FAB. A gente embarcava primeiro os que estavam em piores condições. Eles eram levados para o topo da Câmara Municipal e de lá iam para os hospitais. Fiz tudo que pude durante três horas, mas meu corpo não aguentou e depois de ajudar no resgate acabei apagando e só acordei no hospital durante a noite", revela Cassaniga.

O PM diz que tão importante quanto o resgate com os helicópteros foi a participação dos seus companheiros do COE que entraram no prédio. "O Paseli era Comandante do COE na época, ele foi para o Joelma com outra tropa que foi responsável pelo resgate na parte interna. Com apoio de seus homens e do Capitão Nilton, eles conseguiram salvar muita gente. Nosso apoio veio por terra e pelo ar", diz Cassaniga.

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Arquivo pessoal/Cassaniga

Capitão PM Cassaniga, do Comandos e Operações Especiais, COE, durante curso do CIGS - Centro de Instrução de Guerra na Selva, unidade de treinamento de elite do Exército Brasileiro

Um curto-circuito no sistema de ar condicionado, no décimo segundo andar do edifício Joelma, no centro da capital paulista,  foi o responsável por deixar 191 mortos e aproximadamente 300 feridos entre os 756 ocupantes do prédio. A ação desses heróis invisíveis foi essencial para reduzir os números da tragédia.

"É difícil esquecer"

Cassaniga diz que a conta cobrada pelas horas de esforços não foram só físicas. Mesmo depois de anos e com acompanhamento psicológico o PM acordava com a sensação de que as pessoas puxavam suas pernas para serem salvas. "Foi tudo muito intenso, nas botas do Capitão PM Caldas havia bilhetes de vítimas que pensavam que não iriam sobreviver e se despediam das famílias", conta.

"Passa muito tempo, mas da mente não sai. É difícil esquecer aquilo e muito triste lembrar essa tragédia. Mas para servir no COE, primeiro de tudo é preciso coragem. Antes de saltar ali, eu lembrei dos anos de treinamento que tive lá e no CIGS, (Centro de Instrução de Guerra na Selva,  Exército Brasileiro). Trabalhei para servir a sociedade e vivi para fazer o meu trabalho. A vida toda da carreira militar a gente pensa em primeiro lugar em salvar vidas. Eu pensei em salvar vidas", diz o Capitão PM Cassaniga.

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Cassaniga serviu por 30 anos na Polícia Militar do Estado de São Paulo, em diversos setores. Chegou ao Comandos e Operações Especiais porque tinha curso de paraquedista, pré-requisito naquela época. Além do incêndio no Joelma, ele atuou em outras séries de ocorrências históricas. Mas foi pela atuação na tragédia daquele dia 1º de fevereiro que recebeu suas maiores honrarias e homenagens durante a carreira militar. Segundo Cassaniga, apenas 9 PMs foram promovidos por ato de bravura no COE, ele foi duas vezes.

Capitão PM Cassaniga (centro) durante homenagem ao lado do atual Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo Coronel Nivaldo Restivo (direita)
Arquivo pessoal/Cassaniga
Capitão PM Cassaniga (centro) durante homenagem ao lado do atual Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo Coronel Nivaldo Restivo (direita)


Fantasmas Verdes

Em 2018, 44 anos após a tragédia do Joelma, o COE continua atuando silenciosa e discreta, com um contingente maior, mais forte e mais equipado. Sua Tropa é composta por uma pequena elite de Policiais Militares voluntários, que conseguem passar por um intenso programa de seleção de quase dois meses, que começa com cerca 200 inscritos e termina com menos de 10% de aprovados.

Esses Policiais usam equipamentos sofisticados e são treinados para operar em terra, ar e mar, em missões diurnas e noturnas, em qualquer tipo clima e terreno, pelo tempo que for necessário. Conheça um pouco mais sobre quem são os Fantasmas Verdes do COE  clicando neste link.

Durante o incêndio no Edifício Joelma, Centro de São Paulo, em 01 de fevereiro de 1974, 191 pessoas morreram e 300 ficaram feridas
Divulgação/SP Antiga
Durante o incêndio no Edifício Joelma, Centro de São Paulo, em 01 de fevereiro de 1974, 191 pessoas morreram e 300 ficaram feridas


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