Por Daniel Cardozo
Um estudo do Banco Mundial concluiu que nenhum país tem relações igualitárias entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Enquanto isso, em território nacional, foram registrados 1,4 mil feminicídios no ano de 2023. Por conta de um cenário global ainda distante do ideal, a igualdade de gênero se tornou uma missão para a advogada brasiliense Paula Tavares, radicada nos Estados Unidos. Funcionária do Banco Mundial há quase 14 anos, a profissional se dedica a gerar conhecimento sobre os obstáculos postos às mulheres ao redor do mundo.
A desigualdade de gênero é um tema que acompanha Paula desde que iniciou sua carreira jurídica, ainda em Brasília, como analista legislativo na Câmara dos Deputados, antes de se aventurar em Washington DC. “ Sempre me interessei pelas organizações internacionais ”, relembra.
Apesar de ter nascido na França – quando seus pais estudavam fora – e viver há 17 anos em Washington DC, é para a capital brasileira que Paula dá o título de “hometown” – e para onde volta vez ou outra para visitar a família, o que concilia, muitas vezes, com a agenda de trabalho. Foi aqui que viveu a infância e adolescência, onde estudou Direito, no Centro Universitário de Brasília, e se pós-graduou em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. A lei em âmbito mundial sempre foi um de seus interesses e, por isso, Paula decidiu fazer mestrado em Direito Internacional na Universidade de Georgetown, na capital norte-americana. “ De certo modo, as duas cidades têm suas similaridades, como a questão política e as representações internacionais “, diz.
Essa origem multicultural e a vivência internacional deram à profissional um olhar diverso das questões do mundo e a levaram a ocupar o espaço em que hoje atua, como especialista sênior de gênero no Banco Mundial. A instituição financeira tem como principal objetivo apoiar iniciativas em países em desenvolvimento. Mas a entidade tem um braço importante, que contribui com o debate de políticas públicas. É aqui que a atuação de Paula Tavares se encaixa, com visão crítica dos dados colhidos em diferentes realidades.
Como representante da instituição, Paula viaja o mundo palestrando sobre cases de sucesso em igualdade de gênero e como as políticas públicas bem elaboradas podem gerar efeitos positivos para a sociedade como um todo, não apenas para as mulheres.
A questão no Brasil
Por mais que estude e conheça a realidade da questão mundo afora, as raízes brasileiras fazem com que Paula esteja atenta ao que acontece por aqui sobre a questão de gênero, comparando os indicativos de igualdade entre homens e mulheres ao redor do globo. A advogada vê progressos, a exemplo da lei que prevê igualdade salarial, sancionada no ano passado. Mas ainda são necessários avanços em questões relacionadas às condições de trabalho. A discriminação no mercado se dá de forma muitas vezes implícita. “Mulheres ainda são perguntadas em entrevistas de emprego se têm ou pretendem ter filhos no futuro”, lembra.
Atualmente, a legislação nacional prevê que a mãe tem direito a quatro meses de licença-maternidade para acompanhar o início da vida do filho, enquanto os pais são dispensados do trabalho por apenas cinco dias. A licença parental é um dos exemplos de medidas consideradas necessárias pela especialista. Equilibrar os cuidados com as crianças entre o homem e a mulher pode ser uma medida de impacto. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, após 24 meses, mais da metade das mães estão fora do mercado de trabalho, sendo que boa parte das saídas se dá por iniciativa do empregador. “ Os países nórdicos foram pioneiros a implementar a licença parental. No início, os homens resistiram à ideia. Os governos tiveram que dar benefícios financeiros para estimular que os cuidados com bebês não ficassem restritos a mulheres. Assim, foi-se mudando a cultura e hoje o período de licença já é melhor dividido ”, analisa.
Embora o número de mulheres assassinadas por questão de gênero tenha crescido 1,6% entre 2022 e 2023, a especialista acredita que o Brasil tem uma legislação avançada sobre o tema, incluindo a Lei Maria da Penha. Para Paula, é preciso seguir fortalecendo o arcabouço legal para proteger as mulheres em questões como o casamento infantil – quando uma das partes, geralmente as meninas, tem menos de 18 anos. “ É uma questão intimamente associada à gravidez precoce, à evolução escolar e ao impacto nas futuras oportunidades profissionais e econômicas das meninas e mulheres e em relação à proteção contra o assédio sexual ”, analisa.
Oportunidades
Em uma vinda recente ao Brasil, Paula participou do evento Movimente, organizado pelo Sebrae-DF, sobre empreendedorismo feminino. As oportunidades dadas às mulheres, segundo ela, precisam ser melhor difundidas. Uma das medidas para incentivar o ingresso de mulheres no empreendedorismo passa pelo financiamento dos negócios. “ É preciso conceder crédito a mulheres empreendedoras, porque sabemos que, na prática, muitas têm os pedidos negados. Linhas de crédito exclusivas para mulheres são uma boa ideia, mas o melhor cenário seria o acesso a empréstimos ocorrer, independentemente de cotas ”, lembra.
Na política, a representação feminina também pode ser aprimorada. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, de 2016 a 2022, o Brasil teve, em média, 52% do eleitorado constituído por mulheres, 33% de candidaturas femininas e 15% de eleitas. No Poder Legislativo, apenas 18% das cadeiras são ocupadas por mulheres.
“ Se as mulheres chegam a ser mais da metade da população e os cargos ocupados estão abaixo do ideal, é necessário, sim, termos cotas em cargos eletivos e de confianç a”, afirma. É com esse espírito que a especialista resume que as mulheres devem alcançar mais oportunidades, nos ambientes público e privado, para que a sociedade tenha progressos significativos.
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