Ex-presidente angolano ficou no poder por quase 40 anos
Reprodução/Global Voices 8.7.2022
Ex-presidente angolano ficou no poder por quase 40 anos

O ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos morreu nesta sexta-feira, aos 79 anos, em uma clínica em Barcelona onde estava internado desde o dia 23 de junho, depois de sofrer um acidente vascular cerebral. Há anos, recebia tratamento para um câncer na cidade espanhola.

Nas últimas semanas, sua família informou à imprensa portuguesa que o estado de saúde do revolucionário que virou ditador e angariou uma das maiores fortunas da África, mas que era visto pela população como alguém de perfil conciliador, era “muito grave”.

José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola durante 38 anos, entre 1979 e 2017, cumprindo uma das mais longas Presidências do mundo, até ser sucedido por João Lourenço.

Ele foi várias vezes acusado de corrupção e de desvio de recursos do petróleo, que responde por 50% do PIB angolano. Ao longo das quase quatro décadas no poder, sua família acumulou imenso patrimônio, que inclui casas nas principais capitais europeias, participações em grandes empresas, holdings em paraísos fiscais e contas bancárias na Suíça, em um país onde 54% da população vivem com menos de 2 dólares por dia.

Sua própria origem, no entanto, era modesta, e sua carreira política se construiu, na luta pela independência de Portugal, dentro de um movimento socialista. Filho de um pedreiro e calceteiro, Eduardo dos Santos nasceu em uma família humilde em Samvisanga, bairro popular e suburbano da capital, Luanda, que, assim como outros nos arredores da capital, abrigava movimentos independentistas.

Segundo o próprio partido, Eduardo dos Santos se juntou ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) quando este foi fundado, em 1958. Em novembro de 1961, nove meses após o MPLA começar a enfrentar o poder colonial português em fevereiro, Zé Du, como era conhecido, deixou o país e partiu para o exílio, de onde coordenava as ações da Juventude do MPLA.

Após uma passagem pelo Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), braço armado do movimento, e pelo Congo, Eduardo dos Santos logo trocou as armas pelos livros, e aproveitando-se das alianças da Guerra Fria, foi para a União Soviética em 1973, onde tornou-se engenheiro petroquímico e se formou em Tecnologia e Telecomunicações.

Foi nesta altura que, junto da primeira mulher, a cidadã soviética e campeã de xadrez Tatiana Kukanova, ele concebeu a filha mais velha, empresária Isabel Dos Santos, hoje apelidada de “Princesa” pelos angolanos, após ter se tornado a primeira mulher bilionária do continente africano.

Embora tenha enriquecido, Zé Du adotou um estilo pouco estridente e discreto, sempre falando pouco atrás de seu terno e gravata, enquanto construía um império no país rico em diamantes e petróleo. Para muitos, era visto como um arquiteto da paz e uma pessoa de consenso.

A cautela e a agilidade permitiram que ele rapidamente ascendesse na hierarquia do MPLA, enquanto o país aproximava-se da independência, conquistada no dia 11 de novembro de 1975. Com a vitória, ele foi imediatamente nomeado ministro das Relações Exteriores. Dentro do partido, de 1977 a 1979, ocupou o cargo de secretário do Comitê Central.

A morte de câncer de Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, após quatro anos no poder, permitiu que Zé Du se instalasse no poder, tanto do partido quanto do país. A partir daí, a História angolana se mistura muito à sua pessoal.

Eduardo dos Santos comandou o Exército durante a guerra civil que se seguiu à independência, num dos conflitos mais brutais e prolongados do continente africano (1975-2002), e naquele que foi um grande tabuleiro de xadrez das grandes potências durante a Guerra Fria.

Apoiado por Cuba e União Soviética, Dos Santos, no poder, enfrentou a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), liderada por Jonas Savimbi e apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos. A guerra arrasou o país e deixou mais de 300 mil mortos.

Em 1992, com o fim da Guerra Fria, pressionado pela comunidade internacional, com dificuldades econômicas internas e a continuação da guerra civil, Eduardo dos Santos procurou uma solução negociada com a Unita. A partir de uma Constituição adaptada, permitiu o pluralismo político e a economia de mercado.

Em setembro de 1992, o país realizou eleições para o Legislativo e o Executivo. O MPLA obteve maioria no Legislativo e parecia prestes a ganhar a votação para o Executivo no segundo turno. O resultado, no entanto, não foi reconhecido pela Unita, e a guerra civil foi retomada, sem que Eduardo dos Santos deixasse o poder.

A abertura econômica e a sinalização democrática, no entanto, abriram portas diplomáticas, e, após, intensos esforços, o governo angolano foi reconhecido pelo dos Estados Unidos em 1993.

Zé Du foi um dos rostos da guerra civil, mas é também considerado o arquiteto que deu início à paz, em 2002, depois de o Exército angolano ter matado Savimbi em combate, derrotando o movimento que ele liderava.

Acusado de fazer de Angola um dos países mais corruptos do mundo, mas também reconhecido pelos seus esforços para reconstruir um país exaurido por centenas de milhares de minas e por cicatrizes da guerra, Dos Santos surpreendeu os próprios angolanos com a sua retirada do primeiro escalão da política, renunciando à Presidência em 2017.

Embora nenhuma razão oficial tenha sido dada então para sua renúncia, o adeus histórico de Dos Santos já foi atribuído ao seu frágil estado de saúde. Quase dois anos depois de deixar o poder, se mudou para a Espanha, onde recebia tratamento para um câncer.

Sua principal herdeira é sua filha mais velha, Isabel dos Santos. De perfil sofisticado — estudou no King’s College, em Londres — e discreto, comanda um império das telecomunicações, construído, segundo diversas denúncias, a partir de despotismo e corrupção. Zé Du teve ainda outros nove filhos com outras cinco mulheres.

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