Ex-guerrilheiro e esquerdista Gustavo Petro, tem, em sua terceira tentativa de chegar ao Palácio de Nariño, reais chances de vencer
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Ex-guerrilheiro e esquerdista Gustavo Petro, tem, em sua terceira tentativa de chegar ao Palácio de Nariño, reais chances de vencer

Seja qual for o resultado da eleição presidencial que será realizada hoje na Colômbia , o país, coincidem analistas e consultores políticos ouvidos pelo GLOBO, atravessa um profundo processo de mudanças. O giro poderá ser de 45 ou 180 graus, mas está acontecendo. Os quatro principais candidatos não pertencem a partidos políticos tradicionais, pela primeira vez em décadas. O favorito, o ex-guerrilheiro e esquerdista Gustavo Petro , tem, em sua terceira tentativa de chegar ao Palácio de Nariño, reais chances de vencer. Se conseguir, será a primeira vez na História que a esquerda governará o país.

Depois da eleição de 2018, na qual  Petro foi derrotado no segundo turno pelo atual presidente, Iván Duque, discípulo — hoje afastado — do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), a Colômbia mergulhou em crises sociais — incluídos violentos protestos em 2019 —, econômicas e políticas que transformaram a Presidência de Duque quase em certidão de óbito do uribismo. Nesta eleição, o até pouco tempo poderoso ex-presidente não tem influência alguma, pelo contrário. Para Federico Gutiérrez, candidato da centro-direitista Equipe Colômbia, descolar-se do uribismo foi chave para aproximar-se de eleitores desencantados com um modelo que parece esgotado.

Em palavras do ex-presidente Ernesto Samper (1994-1998), "o que estamos vendo é um embate histórico entre um país que quer preservar um sistema decadente, que tem no presidente Duque a expressão mais clara de uma crise de legitimidade que também afeta elites e partidos, por um lado, e pelo outro um país que, depois do acordo de paz (com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, das Farc), busca ser reconhecido".

Hoje, cerca de 21 milhões de colombianos, de um total de 51 milhões de habitantes, vivem abaixo da linha da pobreza. De acordo com o economista francês Thomas Piketty, especialista em desigualdade, entre 70% e 80% da riqueza do país estão em mãos de 10% de sua população. Piketty também estima que 52% das terras colombianas pertencem a 1,5% da população. Se a esses dados somamos os índices de violência (171 ativistas sociais assassinados em 2021 e 75 nos primeiros meses deste ano), a deterioração da situação social, escândalos de corrupção e confirmação, em audiências públicas da chamada Jurisdição Especial para a Paz (JEP, que julga crimes cometidos durante a guerra com as Farc) de crimes cometidos pelo Estado durante os dois mandatos de Uribe, fica claro o porquê do cansaço da sociedade e o desejo de mudança.

"Esta não é uma eleição entre esquerda e direita, é uma luta entre dois comandantes políticos, Petro e Uribe. O que está em jogo é determinar se Petro vai se impor e Uribe vai sair", afirma Mauricio De Vengoechea, que já trabalhou em 16 países latino-americanos e foi presidente da Associação Internacional de Consultores Políticos.

Para ele, "Uribe foi comandante de um establishment que favoreceu minorias. Petro é um comandante populista que promete entregar tudo às minorias até agora excluídas, minorias que sentem que finalmente chegou a sua vez". A escolha de Francia Márquez como companheira de chapa (mulher, negra, ativista social e pela defesa do meio ambiente) consagrou Petro como o representante de uma Colômbia diversa e plural.

Mas virar o jogo não será tão simples. O uribismo está enfraquecido, mas não morreu. E em meio à queda de braço central da eleição colombiana surgiu uma tsunami política chamada Rodolfo Hernández, um engenheiro e ex-prefeito de 77 anos que, com um discurso de direita populista e antissistema, conseguiu aproximar-se de Gutiérrez e poderia, finalmente, ser o rival de Petro num eventual segundo turno. Para o candidato do esquerdista Pacto Histórica seria uma péssima notícia, já que enfrentar Gutiérrez é sua zona de conforto. Já Hernández é um fenômeno inesperado e que, numa batalha final, poderia captar votos de todos os demais candidatos, inclusive de eleitores que rejeitam Petro por seu passado guerrilheiro, mas são contra o sistema atual.

"Num eventual segundo turno, o que teríamos seria o que chamamos de coalizão negativa, todos contra o que for considerado o mal maior. Com Hernández, muitos poderiam se unir contra Petro. Com Gutiérrez, que representa o sistema, seria difícil captar os votos de Hernández e, assim, derrotar a esquerda", analisa Daniel Zovatto, diretor para as Américas do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitorial (Idea Internacional).

Não há dúvidas de que Petro será o candidato mais votado no primeiro turno. Até o crescimento vertiginoso de Hernández, no começo de maio, muitos, como Zovatto, acreditavam que o candidato do Pacto Histórico poderia eleger-se hoje. No entanto, esse cenário parece atualmente improvável e o resultado final dependerá de quem será o adversário de Petro em 19 de junho.

De seis eleições realizadas na América do Sul entre 2019 e 2021, em quatro houve segundo turno (Chile, Equador, Peru e Uruguai). Em três dessas quatro eleições, o presidente eleito ficou em segundo lugar no primeiro turno.

"Esta será, em muitos aspectos, uma eleição complicada. Existe um alto nível de desconfiança no organismo que organiza a eleição e contabiliza os votos (chamado de registrador eleitoral). Nas legislativas de março houve denúncias de fraude e claramente manipulação", alerta o especialista do Idea Internacional.

Na que define como "a primeira eleição do pós uribismo", Yann Basset, professor de Ciência Política da Universidade do Rosário, o papel dos jovens e de toda uma nova geração será crucial.

"Não houve um total colapso do sistema de partidos, mas a esquerda ampliou espaços no Parlamento. Hoje temos uma Colômbia mais inclusiva e isso vai se refletir na eleição", frisa o professor.

Para Basset, se opor ao acordo de paz foi um dos erros cometidos por Uribe. A escolha de Duque em 2018, um presidente que define como "inexperiente e sem cintura política", outro passo em falso.

Nesta eleição, aponta César Caballero, gerente da empresa de consultoria Cifras & Conceptos, "esta será a eleição mais difícil dos últimos 30 anos", perdendo apenas para a de 1990, que teve dois de seus candidatos assassinados (Bernardo Jaramillo Ossa e Luis Carlos Galán).

Observadores estrangeiros estão em Bogotá para acompanhar o processo, incluída uma missão da fundação espanhola e de direita Disenso.

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