Menor município brasileiro, a cidade de Serra da Saudade (MG) recebeu nos últimos anos o aporte de R$ 5 mil do governo federal para combater o mosquito Aedes aegypti , transmissor da dengue, do zika vírus e da febre chikungunya. Em 2017, no entanto, a secretaria de Saúde da pequena cidade de 815 habitantes receberá apenas R$ 1.000 para desempenhar ações nesse sentido. Detalhe: o valor será repassado em duas vezes – R$ 600 no primeiro semestre e R$ 400 no segundo.
A quantia se refere à cota do Piso Variável de Vigilância em Saúde (PVVS) que o Ministério da Saúde decidiu reservar para o município. O PVVS foi retomado pelo governo federal em 2013 e destina-se “exclusivamente ao reforço das ações de prevenção e controle da dengue ” em cada cidade, conforme definição do próprio ministério.
Para este ano, o governo elevou o montante total desse repasse, que saiu de R$ 143 milhões em 2016 para R$ 152 milhões em 2017 (incremento de 5,8%, abaixo da inflação do período, que foi de 6,29%).
Só que a gestão Michel Temer alterou também o valor mínimo a que cada cidade tem direito: de R$ 5 mil para R$ 1.000, conforme o caso de Serra da Saudade. Essa medida atingiu um total de 1.917 municípios em todo o País, conforme levantamento do iG . Isso significa que mais de um terço das cidades brasileiras receberão menos de R$ 5 mil do PVVS para desenvolver ações ao longo do ano inteiro.
Por se tratar de um recurso extra para os municípios (que recebem também o Piso Fixo de Vigilância em Saúde, o PFVS), a maioria das prefeituras trata o PVVS apenas como um complemento orçamentário e acaba bancando a maior parte dos custos com ações de prevenção.
Apesar disso, alguns municípios consideram esse repasse federal uma questão “prioritária”, conforme explica o presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP), Stênio Miranda, que classifica os repasses abaixo do extinto piso de R$ 5 mil como "irrisórios".
"Com essa quantia não dá. Especialmente para os municípios pequenos, que têm uma receita bastante limitada, esse é um valor totalmente irrisório e que não paga nem sequer o salário de um agente de saúde", dispara.
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Parcelamento e contrapartidas
Para determinar o valor repassado a cada cidade, o Ministério da Saúde considera o perfil epidemiológico, populacional e territorial de estados, Distrito Federal e municípios, “bem como as dificuldades operacionais para execução das ações”, segundo informações enviadas em nota à reportagem do iG .
Além disso, o montante do PVVS destinado a cada estado é definido com base no valor do PFVS, recurso repassado mensalmente aos estados. Os valores desse segundo são reajustados anualmente, levando em conta – entre outros fatores – a estimativa populacional do IBGE de cada ano.
Um exemplo de como tais critérios funcionam é a comparação entre o repasse destinado ao Rio Grande do Norte e ao Piauí. Enquanto o Piauí – que teve 3.950 casos de dengue registrados em 2016 – vai receber R$ 2,6 milhões no total do PVVS, o Rio Grande do Norte – que teve 234 casos registrados – vai receber R$ 2,7 milhões.
Em uma primeira análise, um valor maior para o Rio Grande do Norte pode parecer absurdo, levando-se em conta apenas a incidência de casos. No entanto, o Ministério da Saúde explicou ao iG que, nesse caso, outros fatores foram levados em conta, como a dificuldade de acesso aos municípios de cada estado.
O Ministério da Saúde lembra ainda que o PVVS é um “recurso adicional” e destaca os valores transferidos por meio do Piso Fixo de Vigilância em Saúde. “Em dezembro, o ministério enviou aos estados e municípios R$ 175,8 milhões para a realização de ações de vigilância pelo Piso Fixo. [...] O envio desses recursos, que está em dia, é efetuado mensalmente por meio de transferência do Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos Fundos Municipais e Estaduais de Saúde”, diz o texto.
Além de Serra da Saudade, apenas outras duas cidades receberão R$ 1.000 do PVVS neste ano: Grupiara e Cedro do Abaeté, ambas em Minas Gerais. O município que receberá o maior aporte é São Paulo, que contará com mais de R$ 5,4 milhões.
Diferentemente do que ocorreu em anos anteriores, desta vez o repasse será feito em duas vezes, sendo a segunda delas apenas no segundo semestre, quando os casos de dengue diminuem exponencialmente, conforme aponta o gráfico abaixo.
O presidente do Cosems-SP avalia que, apesar de a proliferação do Aedes aegypti se concentrar nos primeiros meses do ano, a disponibilização de apenas parte do PVVS nesse período não deve chegar a ser um problema para os municípios.
“Há intensificação de pessoas adoecendo nos meses mais chuvosos, mas as ações de controle devem ser executadas durante todo o ano. Os municípios são responsáveis pela parte mais pesada do financiamento, então eles vão ter que fazer essas ações independentemente de quanto seja repassado”, afirma Stênio Miranda.
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Para receber a segunda parcela dos recursos, os municípios deverão apresentar contrapartidas ao governo federal. Para as cidades com mais de 2 mil imóveis, será obrigatório realizar o Levantamento Rápido de Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa). Já os demais devem aderir ao Levantamento de Índice Amostral (LIA).
“O repasse de recursos está diretamente relacionado ao compromisso assumido pelos entes da Federação para as ações de Vigilância em Saúde em seu território”, explica o governo federal ao justificar a contrapartida.
Os estudos mencionados servem para identificar focos de infestação do mosquito e apontar as regiões de maior risco. Até o fim do ano passado, apenas 61,6% dos municípios brasileiros tinham aderido ao LIRAa.
Entre as cidades que fizeram o levantamento em 2016 estão os municípios mineiros de São Gotardo e Dores do Indaiá. Ambos apresentaram números que os colocam em “estado de alerta”, conforme classificação da Secretaria de Vigilância em Saúde. E ambos são vizinhos da pequena Serra da Saudade, que deverá se virar com R$ 1.000 para evitar um surto de dengue. A luz amarela está acesa no menor município brasileiro.