Crise econômica e falta de direitos civis fazem população esperar morte de líderes para ver mudança na Ilha
Na Havana de poucos prédios restaurados e de construções e ruas deterioradas, há um cansaço explícito com a Revolução Cubana – e um desejo implícito de mudança. Por temor, são poucos os que assumem isso com todas as letras, mas, num discurso muitas vezes ácido contra o governo, os cubanos revelam nas entrelinhas esperar a morte dos líderes Fidel e Raúl Castro para ver o fim do regime cinquentenário.
Um dos principais motivos é o bolso. Com a economia do país em frangalhos, o governo vem apertando o cinto. Com metade de seus campos improdutivos, Cuba importa 80% dos alimentos. Mas, com a diminuição do preço do níquel no mercado internacional – o principal produto de exportação cubano – e do turismo pela recessão mundial, o país cortou 38% de suas importações no ano passado para tentar seguras divisas.
Os efeitos foram sentidos diretamente pela população, que percebeu a diminuição gradativa da lista de alimentos subsidiados. Os cortes de produtos foram tão drásticos que correu o rumor de que o governo estudava cancelar de vez a “libreta de abastecimiento”, sistema que vigora na Ilha desde 1962. “Se suspenderem a libreta, a população morrerá de fome”, disse uma cubana que pediu para não ser identificada. “A situação está cada vez pior. Não há esperança. Não há onde nos agarrar”, completou.
A necessidade de fazer cortes de gastos forçou o Estado a decidir enxugar sua folha de pagamento, em que, segundo o próprio presidente Raúl Castro, mais de 1 milhão de cubanos ganham salários para não fazer nada. “Se uma fábrica precisa de 100 trabalhadores, o governo emprega 200 pela metade do salário, mas também a produtividade é a metade e se cria um ambiente negativo ao esforço individual”, explicou o acadêmico da Universidade de Pittsburgh.
Em agosto, Raúl indicou que 20% dos 5,1 milhões da força de trabalho cubana seriam demitidos por improdutividade. Em 13 de agosto, anunciou-se que os primeiros 500 mil estarão nas ruas até o fim do primeiro trimestre de 2011 . “Temos de deixar de ser o único país do mundo onde se ganha sem trabalhar”, disse Raúl na Assembleia Nacional em agosto.
A frase incomodou muitos, porque foi Fidel Castro que, em 1968, expropriou todos os pequenos negócios, fazendo com que quase todos os trabalhadores ficassem sob o controle estatal. “Obrigaram-me a trabalhar para o governo, e agora que a situação está mal viramos um fardo que se aproveita do Estado?”, indagou a cubana que pediu anonimato.
As demissões são temidas apesar da decisão governamental de permitir ofícios particulares para absorver a mão de obra excedente. Como só podem ter um negócio em sua área de atuação os formados até 1964 em uma universidade ou curso técnico , muitos não sabem o que farão se forem despedidos, pois os 178 pequenos negócios e cooperativas urbanas e cerca de 40 serviços permitidos não correspondem a suas habilidades. “Estou no meu emprego há anos. Agora vou ter de aprender a ser cabeleireira, marceneira?”, questionou uma arquiteta.
Modelo fracassado
A ruína econômica, que fez até o próprio Fidel reconhecer que “o modelo econômico de Cuba não funciona nem mais para os cubanos”, soma-se à ausência de direitos civis para ampliar a frustração com o rumo adotado pela Ilha nos últimos 51 anos. “Não é que se queira o capitalismo. O que não se pode é sustentar uma forma de projeto com poucos direitos civis”, disse a cubana que não quis se identificar.
Além de querer ganhar mais do que os salários médios equivalentes a US$ 20, que forçam a grande maioria a recorrer ao mercado negro para sobreviver, os cubanos desejam se autodeterminar. Ter acesso livre às informações. Poder navegar na internet. Falar o que pensam sem retaliação. Abordar um estrangeiro sem a acusação de que cometem assédio ao turismo.
Também querem viajar para o exterior sem perder o direito de ser cubano e sem uma burocracia cobrada em CUCs (pesos conversíveis, de valor equivalente ao dólar), e não em seus salários de pesos cubanos (cada 24 são 1 CUC).
Apesar do descontentamento, são raros os que creem num levante popular contra o regime. Quando são questionados sobre essa possibilidade, recordam do Maleconazo de 1994, quando uma manifestação no calçadão à beira-mar de Havana terminou após a repressão da polícia.
"Nem em curto e meio prazo haveria uma revolta. O povo cubano é pacífico e se adapta às circunstâncias. Uma minoria somos heróis que vão à guerra. Isso explica por que o regime dura há tanto tempo", disse o ativista dos direitos humanos Elizardo Sánchez, fundador da Comissão de Direitos Humanos Cubanos e de Reconciliação Nacional de Cuba.
Assim, com um sistema econômico e político considerado insustentável e sem uma geração jovem de sucessores, os cubanos observam o envelhecimento da liderança que fez a Revolução, com idades entre 75 e 85 anos, e esperam. “Não há mal que dure cem anos, nem corpo que o resista”, disse Sánchez, que completou: “Não é bom pensar na morte de alguém, mas parece que essa é a solução.”