Quanto o PIB mundial poderia crescer se a governança global fosse realmente “ótima”?
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Quanto o PIB mundial poderia crescer se a governança global fosse realmente “ótima”?


“Temos em nosso poder a capacidade de começar o mundo de novo.” - Thomas Paine

Antes de o Estado-Nação se estabelecer como a forma predominante de organização política, o poder era exercido por diferentes modelos, como impérios (Romano e o Otomano), cidades-Estado (caso das pólis gregas, como Atenas e Esparta) e sistemas feudais, nos quais reis, nobres e a Igreja detinham parcelas variáveis de autoridade. Nesses arranjos, a lealdade dos indivíduos estava ligada a linhagens, a senhores regionais ou a instituições religiosas, em vez de um território nacional unificado. Além disso, a noção de soberania não estava completamente definida, o que significava que entidades políticas conviviam com esferas de poder concorrentes, como pontífices ou imperadores, evidenciando uma autoridade mais difusa em comparação ao modelo de Estado-Nação. 

O modelo que conhecemos hoje tem raízes históricas na consolidação de poder pelos monarcas europeus entre os séculos XV e XVII, culminando na Paz de Vestfália (1648), frequentemente citada como ponto de partida da soberania estatal moderna. Esse arranjo estabeleceu o princípio de que cada Estado detém autoridade suprema sobre seu território e população, sem interferência externa, rompendo com as estruturas feudais e a influência dominante da Igreja. Já no século XIX, o nacionalismo e as ideias iluministas reforçaram a noção de cidadania e autodeterminação, ampliando a legitimidade do Estado-Nação. Por fim, a descolonização no século XX consolidou o modelo ao redor do mundo, transformando-o na principal forma de organização política global.

Nos últimos dez anos, surgiram novas instituições sem fins lucrativos como ReState, Network State, Free Cities Foundation, Charter Cities Institute e PRIME Society Federation, que desafiam o modelo tradicional de Estado Nação. Essas organizações buscam experimentar novos métodos de governança que, em última instância, se mostram mais eficazes na criação e distribuição de riqueza, proteção aos direitos do indivíduo e melhora da qualidade de vida, em comparação aos modelos atuais.

O sistema de governança atual consome aproximadamente 30% do PIB global, estimado em US$ 106 trilhões em 2023, o que equivale a mais de US $30 trilhões. Diante dessa magnitude, surge uma questão essencial:  seria possível melhorar o planeta caso esses recursos fossem empregados de maneira mais eficaz?

Outra reflexão pertinente é:  quanto o PIB mundial poderia crescer se a governança global fosse realmente “ótima”?  Tome-se como exemplo Luxemburgo, cujo PIB per capita atinge cerca de US$ 130 mil, ao passo que a média mundial gira em torno de US$ 13 mil. Em teoria, isso sugere um potencial de crescimento de 1.000% no PIB per capita global. Se um novo e meticulosamente reimaginado sistema de governança capturasse apenas 10% desse potencial, o PIB mundial chegaria à casa dos US$ 200 trilhões—um montante que, ao menos em tese, seria suficiente para erradicar a pobreza em escala global.

O atual modelo de governança baseado no Estado-Nação enfrenta desafios estruturais que limitam significativamente o potencial produtivo e a capacidade de inovação global. Segundo reflexões presentes no novo livro de Tony Blair, On Leadership, a burocracia excessiva e a falta de agilidade impedem a tomada de decisões rápidas em um mundo cada vez mais acelerado, marcado pela transformação digital e pelo avanço de tecnologias disruptivas. Além disso, a visão tradicional de soberania dificulta a cooperação internacional, resultando em políticas fragmentadas e pouco eficientes para enfrentar problemas que transcendem fronteiras — como mudanças climáticas, pandemias e o crime organizado. 

A concentração de poder em instituições públicas nem sempre alinhadas com as demandas reais da população gera um hiato entre governantes e cidadãos, enquanto conflitos políticos internos, interesses corporativos e corrupção tornam-se barreiras adicionais à implementação de reformas necessárias. 

A Bitcoin, ao desafiar o monopólio estatal sobre emissão de moedas, demonstrou que transações financeiras podem ocorrer em uma rede peer-to-peer, segura e descentralizada, sem intermediários tradicionais. Nesse sentido, promove uma nova forma de confiança baseada em protocolos criptográficos, onde a transparência e a auditabilidade são intrínsecas ao próprio sistema.

Paralelamente, o experimento de Prospera em Honduras propõe a criação de uma cidade privada, rompendo com o monopólio estatal tradicional sobre a vida do cidadão. Esse arranjo de governança, oferecido como serviço, atrai investimentos e impulsiona a inovação na prestação de serviços públicos, servindo como evidência de que modelos autônomos e flexíveis podem competir ou coexistir com as estruturas de Estado convencionais.

Já as Organizações Autônomas Distribuídas (DAOs) aprofundam essa disrupção ao propor modelos de decisão e propriedade, uma espécie de cartório digital centralizado, codificados em contratos inteligentes e geridos por comunidades espalhadas globalmente. Em vez de uma liderança centralizada, a governança emerge de algoritmos e participação voluntária, permitindo que qualquer pessoa, em qualquer lugar, colabore e receba recompensas alinhadas ao desempenho do projeto.

Esse ecossistema — que também inclui inovações como stablecoins, tokenização de ativos e mercados descentralizados — reforça a possibilidade de estruturas mais ágeis, transparentes e efetivas em comparação aos limites impostos pelos Estados-Nação tradicionais - que contam com uma arquitetura de poder infelizmente arcaica. 

Essas tecnologias e experimentos em conjunto abriram a porta para reimaginar o conceito de nação, ora que propósito comum une pessoas, e não exclusivamente a uma bandeira, hino, língua ou território. Uma pessoa pode participar de diferentes comunidades com propósitos distintos, por exemplo: erradicação de pobreza, mudança do clima e combate à corrupção. 

Sociedades podem herdar características de outras sociedades para não ter que recriar seus mecanismos de governança, ainda assim permitindo que novos atributos sejam criados. Imagine sociedades especializadas em jovens pais e outra em idosos, de tal forma que o cidadão pode mudar sua afiliação em diferentes etapas de sua vida, tendo a governança como serviço especializado. 

Historicamente, a consolidação ou a derrocada de modelos de governança foi impulsionada por um conjunto de forças que incluíram avanços tecnológicos, mudanças na estrutura econômica e pressões sociais e culturais. Por exemplo, o surgimento de técnicas de agricultura e a expansão do comércio auxiliaram na transição de comunidades tribais para cidades-Estado, enquanto a consolidação de poder por monarcas europeus — favorecida por melhorias militares e administrativas — colaborou na transformação de sistemas feudais em reinos centralizados. Ideias religiosas ou filosóficas, como as da Reforma Protestante ou do Iluminismo, também influenciaram fortemente o rearranjo de poderes, ao desafiar autoridades tradicionais e promover a visão de direitos universais.

Essas mesmas forças seguem em atuação no presente:  novas tecnologias (blockchain, IA, internet), demandas econômicas (globalização, mercados digitais) e aspirações sociais (valores democráticos, proteção de direitos individuais) criam pressões similares às de séculos passados, sugerindo que o atual modelo de Estado-Nação não está imune a transformações profundas. A prova disso, como citei, pode ser vista em experimentos como cidades privadas, criptomoedas ou Organizações Autônomas Distribuídas, cujas inovações na forma de exercer poder e oferecer serviços indicam possíveis caminhos para superar as limitações da governança tradicional. Cabe, portanto, a cada indivíduo escolher se quer manter-se ancorado a estruturas obsoletas ou participar ativamente da construção de formatos mais dinâmicos, sustentáveis e alinhados às necessidades globais do século XXI.

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