O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay
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O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Há 40 anos, visitei Portugal pela primeira vez. Era um país rural, as estradas eram muito ruins e as mulheres, especialmente no interior, vestiam-se de preto com vestidos longos e lenços na cabeça. Já era lindo, mas havia uma certa tristeza no ar, mais para Florbela Espanca do que para Miguel Torga. Talvez um lirismo de Pessoa, na pessoa de Caeiro. Nós, brasileiros, éramos reverenciados e, muitas vezes, o português, ao contar que estava indo para Paris, dizia que estava “ indo à Europa ”.

Sempre me encantaram as terras portuguesas e lembro-me, certa vez, de ler uma história do Jorge Amado, quando lhe perguntaram qual o maior prêmio que ele tinha recebido — logo ele, que recebeu todos —, e ele respondeu contando um caso. Disse que estava andando com a Zélia numa vila pequena e, ao virar uma esquina, viu que um gato fugiu assustado do colo de uma menina que gritou: “ Nassib, volte cá ”. Ele, curioso, perguntou: “ por que ele se chama Nassib? ” e ouviu: “ porque é macho, se fosse fêmea, seria Gabriela ”. Chequei a história, recentemente, com a Paloma Amado. Isso é Portugal.

Ao longo dos anos, tenho vindo muito a Portugal. Há pouco tempo, participei de um festival literário em Óbidos, uma vila medieval com 56 habitantes dentro das muralhas e 9 livrarias, inclusive numa igreja dessacralizada. Um charme. Mas o que me encanta mais é a alegria hoje dos portugueses. As cidades, especialmente Lisboa, abarrotadas de turistas que, com uma segurança incrível, andam pelas ladeiras, bares, festas, casas de fado e restaurantes até de madrugada. As livrarias e museus, sempre lotados, e as dezenas de línguas pelas ruas nos dão a impressão de uma torre de Babel. O turismo já representa 17% do PIB nacional. E tende a crescer. O português está feliz, radiante e confiante. O 25 de abril aqui é uma das festas mais bonitas do mundo, como um 14 de julho em Paris. A Avenida da Liberdade se transforma numa Champs-Élysées. E os cravos vermelhos se multiplicam pelas lapelas.

A entrega do prêmio Camões para o Chico Buarque foi muito emocionante. Em pleno Palácio de Queluz, o Presidente português, Marcelo, e Lula fizeram discursos poéticos e profundos e, por coincidência, citaram uma mesma frase de José Saramago ao elogiar um livro do Chico. Sintonia entre os nossos presidentes.

No outro dia, os discursos, na Assembleia Legislativa, do Presidente daquela casa e do Lula, mais uma vez, demonstraram enorme afinidade na defesa da liberdade. Claro que houve resistência, insignificante, da extrema direita, o que era esperável. Sabemos que, com a volta do Lula ao poder, precisamos alargar essa empatia e ver o Brasil feliz de novo. A derrota do fascismo nas urnas, nas últimas eleições, fez nascer uma esperança do país voltar a ser feliz de novo.

Tudo isso só vale a pena se nosso povo conseguir esquecer um pouco as nossas dificuldades e os nossos dramas para acreditar em um novo tempo. Um tempo no qual a justiça social e a igualdade sejam nossos nortes e a determinação de consolidar o Estado democrático de direito seja uma verdade concreta. Foi muito lindo ver, aqui em Lisboa, jovens nas ruas cantando contra o fascismo. Alegres e felizes, com uma vontade real de mudar o destino e continuar sepultando Salazar.
Democracia exige isto: resistir todos os dias. Toda hora lembrar a dor do passado.

Não esquecer nunca os horrores da Ditadura. Os crápulas da história, como Bolsonaro e Salazar, servem para manter viva a determinação de um mundo melhor. Quando vejo milhares de portugueses nas ruas, durante os dias e as madrugadas, tenho a certeza de que o homem nasceu para ser livre. Sinto crescer em mim aquela esperança de um Brasil feliz cumprindo seu destino rumo à Democracia e à justiça social.

Foi bonita a festa, fiquei contente e ainda guardo, renitente, um velho cravo para mim. Um país que tem um Chico Buarque e é presidido por um líder como o Lula sabe que tem um destino a cumprir rumo à justiça social e que a felicidade parece tão vizinha que temos a certeza de que ela é real e é de todos nós. E seremos todos, como na letra da música Bella Ciao, uma flor da resistência sem precisar morrer pela liberdade. Como nos ensinou Clarice Lispector, “ Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome ”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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