Rogério Ferreira da Silva morreu neste último domingo (9) após abordagem policial
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Rogério Ferreira da Silva morreu neste último domingo (9) após abordagem policial

No último dia 9 de agosto, o jovem Rogério Ferreira da Silva saiu de moto para comemorar o aniversário de 19 anos e  morreu baleado após perseguição e abordagem de dois policiais militares. O caso ocorreu na Zona Sul de São Paulo. Já no último dia 27 de julho, um policial foi preso em flagrante na Zona Leste após atirar pelas costas e matar um motociclista suspeito de participação em um roubo na capital paulista.

Os casos foram filmados por câmeras de segurança e ganharam grande repercussão na imprensa brasileira. Sempre que questionado sobre o  aumento da violência policial nas coletivas de imprensa realizadas no Palácio dos Bandeirantes, o governador João Doria diz que uma pequena porcentagem de policiais militares não pode representar toda a corporação.

Mas, mesmo diante da pandemia da Covid-19, 514 pessoas foram mortas em ações da polícia de São Paulo no primeiro semestre deste ano, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública do estado. O número é 20,6% maior do que o registrado no primeiro semestre do ano passado.

Mesmo com o isolamento social no estado para reduzir a circulação das pessoas, desde março deste ano, esse número é o maior patamar de letalidade policial, em um semestre, já registrado desde 2001, no início da série histórica.

Em entrevista exclusiva ao iG, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, general João Campos, justificou o recorde da letalidade policial no primeiro semestre de 2020 e explicou que a opção do confronto é do criminoso e não do policial. O secretário também garantiu que o  programa "Retreinar", criado para aprimorar o trabalho da PM foi concluído com 100% dos policiais em julho, e será replicado nos próximos anos.


General Campos em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes
Foto: Governo de São Paulo
General Campos em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes


iG – Gostaria de entender sobre o aumento da violência policial neste período de pandemia, em que as pessoas teoricamente deveriam estar mais em casa e a criminalidade deveria diminuir. Porém, a letalidade policial aumentou e os dados mostram isso. Ao que o secretário atribui esse aumento da violência policial no estado de São Paulo?

General João Campos  – Eu comentei algumas vezes, o crime não faz quarentena. Ou seja, nós estivemos durante a pandemia da Covid-19 mais efetivamente atentos à nossa missão, que é a de proteger pessoas e preservar patrimônios. Nós colocamos ainda mais policiais nas ruas, porque desde o início a nossa preocupação era com locais com plantas que tratem de saúde, indústrias, hospitais, supermercados e lojas, para atender a população. Tiramos policiais da administração e incrementamos ainda mais policiais nas ruas.

Ficou muito claro o serviço essencial da Segurança Pública nesse período. Tanto é que nós perdemos policiais para a Covid-19, tivemos uma série de oficiais afastados porque eles estiveram em contato com a população, ou seja, tinha mais polícia nas ruas.

Então, realmente, houve um incremento da letalidade que sempre nos coloca atentos, como também já comentei, nós somos os maiores interessados nesse aspecto estatístico. Quando nós fazemos um levantamento do mês anterior -muito mais do que alimentar e auxiliar os jornalistas a fazerem as suas análises - nos servem para ver o que é que nós podemos fazer e corrigir. 

Nunca tanto os policiais chegaram tão rapidamente aos locais dos incidentes, ou seja, indo de encontro ao problema e ao encontro da solução. Procuramos identificar as áreas de calor, chamadas manchas de calor. É onde há probabilidade de ocorrer o crime. Quando você direciona policiais para essas áreas, não só eles chegam mais rápido, como também há possibilidade, lamentavelmente, do confronto.

Agora, a opção do confronto não é do policial, a opção do confronto é do criminoso, é do marginal, aquele que optou por viver à margem da lei. O marginal colocando a sua arma no chão, ele está vivo, naturalmente não morre. Ele não proporciona o confronto, será preso e levado às barras da Justiça. Esse é o nosso papel. Agora, lamentavelmente, o nível de violência por parte dos marginais leva ao confronto, que para nós nunca é desejável. 

O policial envolvido em uma situação de letalidade é submetido aos procedimentos administrativos, mas nós precisamos dele nas ruas, trabalhando cada vez mais. Nesse período, colocamos mais policiais nas ruas, mais policiais direcionados às manchas de calor e chegaram mais rápido a esses locais.

Lamentavelmente, encontraram a opção do confronto dos criminosos. O que nós não desejamos, não gostaríamos, mas eu não posso perder policiais. Eles são muito valorosos e em uma situação desse tipo, precisam ser preservados. 

o estado já recebeu 585 câmeras portáteis em doações do setor privado
Foto: Governo de São Paulo
o estado já recebeu 585 câmeras portáteis em doações do setor privado


iG – Secretário, o governo espera que com as body cams , anunciadas recentemente pelo governador João Doria, a violência diminua? Qual seria o principal objetivo?

General João Campos – A matriz da câmera corporal é muito mais ampla do que simplesmente observar a violência policial. A câmera corporal existe para preservar o policial e o cidadão. Experiências internacionais demonstram que quando você vê a câmera com aquela luz ligada, é como uma câmera da imprensa, e a postura do criminoso, daquele suspeito ou de um passível de cometer um crime, ela muda. E o policial também sabe que a ação dele está sendo filmada. 

Você viu?

Nós temos os melhores policiais do Brasil. Indubitavelmente, os policiais de São Paulo são os melhores do Brasil. Isso é intrínseco a eles, está na idiossincrasia  [sic] deles. O fato de estar sendo filmado não o intimida porque isso o resguarda.

O uso da câmera tranquiliza o policial na sua ação e inibe o criminoso que está sendo filmado. Hoje são 585 câmeras disponíveis.Nós utilizamos nesse primeiro final de semana e temos 3.056 eventos filmados,  desde a prisão de um traficante, até uma ação para desengasgar um lactente.

Logicamente essas imagens nos interessam em havendo inquéritos e processos judiciais como corpo de prova. Eu me lembro de uma preocupação em uma coletiva de imprensa de que se era o policial que ligaria a câmera. Sim, é ele que liga. Ele por si só para se proteger já ligaria, mas mesmo assim, o Copom determina e o coordenador do grupo patrulha também determina.

iG – Secretário, o programa Retreinar foi concluído? Todos os policiais foram retreinados? Gostaria de uma análise de como foi o programa e qual foi o retorno dos policiais?

General João Campos – No programa Retreinar, nós trabalhamos algumas disciplinas, estou animado e satisfeito. São disciplinas como Direitos Humanos, abordagem policial, polícia judiciária e uma série de aspectos. Nós conseguimos passar isso em uma jornada de trabalho para todos os que estão nas ruas. Isso foi muito bom e extremamente efetivo.

Eu passei quase 50 anos no Exército e fui retreinado todos os anos, isso é bom e recicla, revela conhecimento. Essa é a oportunidade que a gente tem de trazer coisas novas, se o processo adequado não é esse, é aquele, então vamos mudar. 

iG – As aulas também foram realizadas em salas de aula?

General João Campos –  Foram aulas em salas de aula em um processo dinâmico, com palestras e demonstrações. Então você conjuga diferentes tipos de demonstração do conhecimento ao profissional da maneira mais rápida e mais ampla. Praticamente, em vinte dias úteis, nós conseguimos colocar todos os profissionais com esse conhecimento que gostaríamos.

iG – Esse treinamento será replicado nos próximos anos?

General João Campos – Sem dúvida, você cria novas disciplinas e novas circunstâncias. Isso é uma reciclagem e acontece em todas as áreas. Quando um jornalista ou um médico vai a um congresso, ele está se reciclando. É essa a ideia, e cresce cada vez mais porque a tecnologia muda. 

iG – Entidades civis pedem que a Corregedoria da Polícia Militar centralize todos os inquéritos policiais sobre morte, agressão a civis e abuso de autoridade. Isso já está sendo feito?

General João Campos – Isso já acontece. Quem gere o inquérito inicialmente é a unidade do policial, como no Exército. Ou seja, o inquérito nasce onde a pessoa está trabalhando. Depois de feito e elaborado, o inquérito normalmente precisa ser encaminhado à Corregedoria.

O que alguns falam e questionam é que todos os inquéritos fossem feitos pela Corregedoria, mas eles são feitos pelo sistema da Corregedoria e da Justiça. A Corregedoria tem vista e acompanhamento do caso.

O encarregado do inquérito dá uma solução, mas o comandante do batalhão pode discordar e mandar complementar, é o mesmo processo. O maior interessado em que tudo isso seja feito com a maior lisura e maior correção, somos nós todos. 

iG – O secretário acha que um dos grandes problemas da violência policial, que ocasiona mortes de civis e dos próprios policiais, está na formação desse profissionais?

General João Campos – Nós temos melhor formação de policiais do Brasil. Aquilo que vocês falam "violência", nós falamos em emprego da força, e isso tem uma gradatividade. Eu tenho absoluta convicção que o sistema de formação e aperfeiçoamento da nossa Polícia Militar e Civil são os melhores do Brasil, sem dúvida.

Até porque esse sistema eu conheço, porque fui chefe do departamento de Educação e Cultura do Exército Brasileiro, ou seja, os nossos policiais de São Paulo estão sendo muito bem formados, eles são extremamente profissionais.

A violência é condenável sempre, qualquer tipo de violência em qualquer das partes, não existe meia violência ou pouca, violência é violência. Cada caso é um caso e nós sempre colocamos isso de maneira clara. Nós temos em São Paulo uma população equivalente a um país da Europa. Temos 111 mil policiais, 80 mil chamadas no Copom por dia, isso seria assombroso até num país europeu. São 25 mil viaturas despachados por dia para atender os chamados.

Há casos de violência, lamentavelmente, mas não podemos fazer com que a parte represente o todo. Cabe a nós trabalhar o comando, as instituições, o aperfeiçoamento e a valorização. Segurança pública é um item que você valoriza pessoas, faz gestão da inteligência e emprega tecnologia, para qualquer circunstância e nós já temos a melhor polícia do Brasil. 

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