Apesar de ser apontado pelo Ministério Público como um dos maiores matadores de aluguel do Rio, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega não foi condenado ao longo de sua vida por nenhum homicídio. Ele chegou a ser preso duas vezes, mas acabou absolvido nos dois casos. Uma escuta autorizada pela Justiça, no entanto, coloca em xeque as decisões da Justiça que beneficiaram o ex-PM.
Na ligação, feita apenas dois dias após a morte de Adriano numa operação policial na Bahia, em 9 de fevereiro de 2020, Tatiana Magalhães da Nóbrega, irmã do miliciano, afirma que "o jogo do bicho pagou a absolvição dele".
Tatiana não especifica em qual das duas absolvições esse suposto pagamento aconteceu, mas diz que "o tribunal pediu dinheiro a Adriano" a uma mulher que não foi identificada pelos investigadores da Polícia Civil e do MP do Rio.
O relatório das escutas, obtido pelo GLOBO, faz parte da investigação que culminou na Operação Gárgula, que prendeu, na semana passada, comparsas que passaram a controlar os bens de Adriano após sua morte.
Durante a conversa, Tatiana também revela quem seria o responsável por angariar o dinheiro que teria financiado a absolvição de seu irmão: o pecuarista Rogério Mesquita, amigo e sócio do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, morto em 2004. Pouco depois do homicídio, quando estourou uma guerra na família do contraventor por seu espólio criminoso, Rogério Mesquita foi responsável por recrutar Adriano para trabalhar para contravenção.
Mesquita conhecia o oficial desde pequeno, já que a família de Adriano possuía um terreno dentro da fazendo de Maninho que Mesquita administrava, em Guapimirim, Região Metropolitana do Rio.
O pecuarista era chamado de "padrinho" pelo PM. Segundo o próprio Mesquita relatou à polícia em 2008, o então tenente foi contratado para, de dentro da cadeia, indicar policiais militares (quase todos do Bope) para desempenhar a função de seguranças da quadrilha.
Na ocasião, Adriano passava seu primeiro período atrás das grades. Ele havia sido preso, em 2004, pelo assassinato do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, junto com outros PMs da guarnição que comandava. A vítima havia denunciado os agentes — todos lotados no 16º BPM (Olaria) — no dia anterior pela prática de extorsão e ameaça. Segundo a investigação, após executarem o jovem, os PMs ainda mexeram na cena do crime para forjar um confronto.
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Adriano chegou a ser condenado em primeira instância, em outubro de 2005, a 19 anos e seis meses de prisão. No entanto, ele recorreu e, no ano seguinte, os desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça alegaram que a decisão foi "contrária à prova dos autos", anularam a condenação, determinaram a soltura de Adriano e determinaram que fosse realizado um novo julgamento. Em janeiro de 2007, a sessão foi refeita, e ele foi absolvido pelos jurados.
Após ser solto, Adriano assumiu a chefia da segurança de integrantes da família e dos pontos de jogo do bicho do clã. Entre 2008 e 2011, no entanto, seria preso duas vezes pelo mesmo crime: um atentado contra seu "padrinho" Rogério Mesquita. Segundo a investigação, Adriano e uma gangue de PMs encapuzados preparam uma tocaia para Mesquita. O homem conseguiu sobreviver porque estava com seguranças.
Em agosto de 2012, o juiz Márcio Gava decidiu que não havia provas suficientes para levar Adriano à júri popular. Na sentença, o magistrado alegou que, durante as audiências na Justiça, as "testemunhas sistematicamente retrataram-se de seus depoimentos em sede policial, não foram encontradas, ou simplesmente intimadas, deixaram de comparecer". Ainda de acordo com a decisão, "as razões pelas quais a instrução se deu de forma tão acidentada podem ser especuladas, mas até o momento não puderam ser provadas".
Quando a sentença saiu, Rogério Mesquita não estava mais vivo. Ele foi assassinado meses após o atentado, em janeiro de 2009, à luz do dia, em Ipanema. Até hoje, o crime não foi esclarecido.
Procurado, o Tribunal de Justiça não se posicionou sobre as escutas.