"É melhor embarcar logo, porque o próximo vai demorar", advertiu o motorista da linha 6000-10, que liga Santo Amaro com Parelheiros. O aviso é um reflexo da falta de combustível causada pela greve dos caminhoneiros, iniciada no dia 20 de maio. Diversas linhas de ônibus que atendem a cidade de São Paulo  tiveram sua frota reduzida e o  intervalo entre as viagens aumentado.

Segundo o prefeito Bruno Covas, em coletiva de imprensa concedida na última terça (20), devido a greve dos caminhoneiros a frota de coletivos que atende a cidade sofreu uma diminuição de cerca de 40%. Uma nota divulgada pela Prefeitura estimou que as regiões mais afetadas foram Cachoeirinha, Pirituba, Perus, Morro Doce, São Miguel Pta, Ponte Rasa, Cidade Patriarca, Guaianases, Varginha, Grajaú, Parelheiros, Morumbi e Butantã - a grande maioria situada em regiões periféricas da cidade.

Devido a greve dos caminhoneiros, linhas como a 6000-10 (Term. Parelheiros - Term. Santo Amaro) tiveram seus horários e número de veículos alterados.
Arquivo Pessoal/ Bruno de Lima
Devido a greve dos caminhoneiros, linhas como a 6000-10 (Term. Parelheiros - Term. Santo Amaro) tiveram seus horários e número de veículos alterados.


As linhas de Parelheiros

Parelheiros é o segundo maior distrito da cidade de São Paulo em extensão territorial e também um dos mais afastados do centro (com uma distância de 50 a 60 quilômetros). Devido a distância, o transporte público sofre consequências graves. Alguns bairros, como Barragem, só tiveram a consolidação das linhas de ônibus em 2015. A situação se agravou com a falta de combustível. Segundo Andrea Ferreira, fiscal da concessionária MobiBrasil, responsável pelo transporte coletivo da região, das três linhas que ligavam Parelheiros com outros bairros da Zona Sul de São Paulo, apenas uma estava em funcionamento.

Uma medida de emergência, adotada a partir do último sábado (26), cancelou a circulação das linhas com destino a Vila Mariana e Cidade Dutra. A linha remanescente, com destino ao Terminal Santo Amaro, funcionou seguindo os horários de domingo.  A fiscal disse ainda que houve também um remanejamento de pessoal para cobrir o desfalque causado pela crise. De acordo com Rodrigo, usuário frequente da linha, a lotação dos ônibus também foram afetadas. "Eu saí de casa às 4:30 e já tava lotado, geralmente não é assim".

Moradores de outras regiões afastadas da cidade também sofreram as consequências da greve. O estudante de Enfermagem Silvio Rodrigues, que mora no centro de Itapecerica da Serra, reclamou das mudanças nos transportes coletivos. "Não consegui tomar os ônibus nos horários corretos. [...] Há menos ônibus em circulação...Pego a linha 001 da EMTU todos os dias, geralmente o ônibus chega de 10 em 10 minutos, agora tá demorando 40." O estudante conta que a situação ainda não foi normalizada, e as condições de transporte na região continuam precárias.

Em contrapartida, segundo Ana Carolina Navarro, moradora dos Jardins, a situação na região central da cidade não estava tão calamitosa. "Moro na Alameda Santos, nos Jardins. Pego onibus para ir e voltar no estágio, que fica na Faria Lima. Honestamente a greve foi até benéfica para mim. O trânsito diminuiu demais! O trajeto geralmente levava 40 minutos e agora eu consegui fazer em 20 minutos. Costumo pegar a linha 106-A, na 9 de Julho".

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A deficiência do sistema de transporte público em São Paulo

A falta de combustível acentua um dos grandes problemas em São Paulo: a superlotação e demora dos coletivos. Segundo Frederico Bussinger, ex-presidente da SPTrans, esse problema pode ser contornado com a nova licitação dos ônibus, lançada pela Gestão Covas no final de abril. "O sistema de São Paulo está organizado em 8 áreas de serviço onde as empresas atuam. As cores dos ônibus correspondem a essa área. A alteração proposta será profunda. Serão criados 29 subsistemas."

Por conta da greve dos caminhoneiros, a linha 6000-10 estava com uma fila anormal no sábado (26).
Arquivo Pessoal/ Bruno de Lima
Por conta da greve dos caminhoneiros, a linha 6000-10 estava com uma fila anormal no sábado (26).


Um dos pontos mais expressivos da reformulação do sistema é a redução da frota operacional, que vai diminuir dos 13.603 veículos atuais para cerca de 12.667 em um prazo de 3 anos. "Se você for ouvir a população, ela diz que quer mais ônibus. É isso que ela verbaliza. Mas na verdade ela está querendo mais viagens. E muitas vezes mais ônibus significa menos viagens, pois isso acarreta em um aumento do congestionamento e empastela o trânsito.", declara Bussinger. A mesma licitação também prevê um aumento na oferta de lugares, na quilometragem coberta pelo sistema e uma diminuição no número das linhas.

O efeito dessas reduções está no tempo e lotação das viagens. Linhas como a 546T, da Vila Guacuri até o Terminal Santo Amaro, irão ter a sua extensão diminuída pela metade e outras linhas serão criadas para complementar o trajeto. Desse modo, as viagens seriam mais rápidas e menos lotadas. "Quanto mais ágil for o sistema, maior a velocidade".

Mas o efeito prático dessas medidas nas linhas de regiões periféricas ainda não pode ser medido. Segundo Flávia Uilan, doutora em Geografia Urbana Especializada em Sistemas Voltados para Transportes, ainda há muito a ser feito. De acordo com ela, o sistema de ônibus de São Paulo só começou a ser concretizado em 2014, quando redes noturnas e de finais de semana começaram a ser implantadas e até hoje não foram finalizadas. A fragilidade desses sistemas e a implantação tardia das linhas do bairro de Barragem são um exemplo disso.

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A greve dos caminhoneiros foi um evento que ajudou a expor o quanto anormalidades no sistema de transportes podem afetar especialmente as regiões mais periféricas da cidade, onde as linhas são mais frágeis. Basta esperar que a classe governante faça uso desse conhecimento para criar políticas públicas mais eficazes, visando evitar que problemas do tipo aconteçam novamente.

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